Thursday 17 April 2014

FAO APRENDE COM PORTUGAL A REDUZIR DESPERDÍCIOS ALIMENTARES


Zero Desperdício, Fruta Feia e Refood são projectos portugueses que podem servir de modelo para experiências em todo o mundo, diz a FAO à Renascença.
 
Lisboa quer ser a primeira capital zero desperdício do mundo. No Minho, nasceu o primeiro movimento universitário nacional de combate ao desperdício nas cantinas. A Refood chega ao Porto este ano e também está em marcha no Algarve. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) está atenta ao que Portugal está a fazer contra o desperdício alimentar.
 
"São experiências positivas que devem ser partilhadas a nível mundial para a criação de uma plataforma sólida de combate ao desperdício", refere Hélder Muteia, representante da FAO em Portugal, à Renascença.
 
Portugal está bem posicionado nesta luta, diz a organização das Nações Unidas. Tem um nível de desperdício de 17%, abaixo da média mundial (35%), concluiu, em 2012, o Projecto de Estudo e Reflexão sobre Desperdício Alimentar. No mundo, a comida desperdiçada podia alimentar os 846 milhões de pessoas que passam fome.
 
O surgimento de várias iniciativas contribuiu para estes números. Mas a grande distribuição e a indústria também estão atentas.
 
Lisboa a capital do zero desperdício

O Movimento Zero Desperdício, a completar dois anos de existência, vai assinar terça-feira um novo protocolo com a Câmara de Lisboa para tornar a cidade a primeira capital mundial do zero desperdício. Ainda não são conhecidos os pormenores da iniciativa.
 
O movimento da associação Dariacordar aproveita os bens alimentares que antes acabavam no lixo – comida que nunca saiu da cozinha, comida cujo prazo de validade se aproxima do fim ou comida que não foi exposta, nem esteve em contacto com o público – fazendo-os chegar a pessoas que dela necessitam. Já serviu quase 900 mil refeições nos estabelecimentos aderentes.
 
Este movimento lança, por estes dias, o "Manual da Replicação" para levar às autarquias e juntas de freguesia o conceito legal de combate ao desperdício alimentar, criado há dois anos.
 
"Com a criação da associação em Janeiro de 2011, explicámos à ASAE que a lei não era muito objectiva no que à distribuição de alimentos perecíveis dizia respeito. Havia uma interpretação negativa da mesma, com a proibição da distribuição e doação de alimentos desperdiçados mas em óptimas condições de segurança e higiene alimentar para serem consumidos por quem necessitasse", diz António Costa Pereira, presidente do Movimento Zero Desperdício.

"A ASAE concordou e juntos preparámos os procedimentos de recolha, transporte e condicionamento para ser possível doar. No fundo, desbloqueámos este processo", explica.
 
Refood chega ao Porto

Com o caminho legal aberto para a doação de alimentos perecíveis e confeccionados, nasceu a Refood.
 
Esta associação 100% voluntária combate o desperdício alimentar, ajudando famílias carenciadas assinaladas por instituições particulares de solidariedade social (IPSS).
 
A fórmula é simples: a Refood recolhe junto de estabelecimentos de restauração sobras em condições de serem consumidas. Fê-lo primeiro em Lisboa, com 680 famílias beneficiadas. Quase três anos depois, chega ao Porto, na Foz do Douro. "Estamos em negociações com a Câmara para nos ser cedido um espaço", conta à Renascença Francisca Mota, impulsionadora e coordenadora da Refood Porto.
 
A 12 de Março, uma "reunião sementeira" teve "uma adesão muito grande". "Superou largamente as nossas expectativas. E resultou numa grande base de dados de pessoas que querem colaborar com o projecto a título voluntário", refere.
 
Desta reunião surgiram também pessoas interessadas em criar 14 núcleos noutras freguesias do Porto e arredores. "Vontade que neste momento também já chegou ao Algarve (onde as coisas estão mais avançadas), Oeiras, Covilhã e, possivelmente, Vila Real."
 
Das cantinas para as cantinas

A Norte, em Braga e Guimarães, nasceu em Outubro de 2013 o movimento "Menos olhos do que barriga", pela mão de alunos de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. Levam a comida que sobra nas cantinas da universidade para as cantinas sociais.
Na instituição minhota são geradas quatro mil toneladas de resíduos alimentares por mês. Números que impressionam aquele que se afirma como o primeiro movimento universitário português contra o desperdício alimentar.
 
"Temos patrulhas. De forma informal, abordamos os alunos. O objectivo é que ganhem mais consciência social e percebam se vão realmente comer tudo o que colocam no prato ou não. Porque tudo o que sobra no tabuleiro é resíduo e tudo o que sobra nas cantinas lá dentro vai para cantinas sociais", explica a co-fundadora Sara Oliveira.
 
Com meio ano de vida, não há ainda números concretos do reflexo do "Menos estômago que barriga". Mas a recepção dos alunos "tem sido fantástica", refere.
 
Pioneirismo português
 
Com um posto de venda ao público no lisboeta Largo do Intendente (o segundo nasce, no Rossio, na terça-feira), a cooperativa Fruta Feia ajuda os agricultores a escoar a produção que não conseguem colocar no mercado por razões estéticas – o aspecto ou o tamanho dos produtos hortícolas.
 
A cooperativa, que em Setembro deve chegar ao Porto, "conta já com 210 consumidores associados e 14,5 toneladas de desperdício evitado", nas contas da fundadora Isabel Soares.
 
"Acho que é original no mundo. Existem vários projectos, a nível nacional, europeu e mundial, que visam combater o desperdício alimentar. Agora projectos que estejam baseados nos consumidores, como é a cooperativa de consumo Fruta Feia, e que pretendam actuar no início da cadeia agro-alimentar, ou seja, ao nível do agricultor, é o único que conheço", diz.
 

RE-FOOD VAI ABRIR MAIS CENTROS



O projeto que lançou é apenas um exemplo do que é possível fazer ao nível das comunidades, que considera terem imenso poder e precisam apenas de serem mobilizadas

O fundador do projeto "Re-food" estima que este ano abram entre 15 a 20 centros de redistribuição de comida em todo o país, entre eles os núcleos algarvios de Almancil e Algoz, cuja implementação é apoiada por Hunter Halder.

Em declarações à agência Lusa, Hunter Halder disse esperar que aos quatro já em funcionamento em Lisboa possam somar-se, até ao final deste ano, entre 15 a 20 novos núcleos de "Re-food", que funcionam com voluntários que recolhem refeições que sobram dos restaurantes e as distribuem pelos carenciados.

No Algarve, estão agora a ser constituídos os núcleos de Algoz-Tunes, em Albufeira, e de Almancil, onde já existe um espaço cedido por uma associação para montar o centro de operações. Segundo Alexandra Brito, impulsionadora do projeto em Almancil, foi necessário um intenso trabalho de divulgação até ao momento de criação de uma equipa com os gestores que irão ajudar a abrir o centro de operações, trabalho feito em ligação com o núcleo de Algoz.

Além da angariação de voluntários, que terão em média uma participação de duas horas semanais, os grupos de gestores terão de contactar restaurantes e cafés que poderão disponibilizar a comida que sobra diariamente ao "Re-food" e identificar os potenciais beneficiários.

 O fundador Hunter Halder, americano residente em Lisboa, contou à agência Lusa que lançou o projeto sozinho quando pegou na sua bicicleta para recolher refeições que sobravam nos restaurantes e cafés do seu bairro para distribuir pelas pessoas carenciadas.

Aquele responsável observou que o projeto que lançou é apenas um exemplo do que é possível fazer ao nível das comunidades, que considera terem imenso poder e precisam apenas de serem mobilizadas. “Acho importante que as pessoas tenham conhecimento de que têm poder para mudar o mundo na sua própria comunidade, que não têm de esperar pelo Governo, nem por uma empresa, nem por ninguém”, afirmou.

  Desde o início do projeto já foram entregues 300 mil refeições, estando os quatro núcleos de Lisboa a entregar uma média de 15 mil refeições por mês a cerca de 845 beneficiários, concluiu.

Sunday 13 April 2014

CAFÉ SUSPENSO: O QUE É?


“Há muita gente a aderir?” A resposta do funcionário da pastelaria Clarinha, em Guimarães, é desarmante: pega na caixa de cartão e coloca sobre a balança. “1,210 kg” marcam os dígitos verdes do dispositivo eletrónico: “Se tirar os 200 gramas da caixa já temos mais de um quilo” de moedas.
 
É naquela caixa que os clientes têm deixado o seu contributo para a iniciativa “café suspenso” lançada nesta cidade pela Igreja Católica. A ideia nascida em Itália, e que se tem globalizado nos últimos anos, ganha cada vez mais adeptos um pouco por todo o país.
 
O princípio do café suspenso é simples: quando alguém vai tomar um café pode entregar o dinheiro de dois, deixando a bebida paga para que quando uma pessoa necessitada for ao mesmo estabelecimento possa bebê-la de forma gratuita. Esse café fica “suspenso” à espera de quem o peça. Em Guimarães, “não está a ser feito literalmente, mas é o mesmo espírito”, justifica o padre José Silvino, capelão da igreja de S. Pedro do Toural, na maior praça da cidade.
 
Com dúvidas quanto à forma como operacionalizar a ideia, Silvino optou por uma solução dupla. Se os donos ou funcionários do café conhecerem alguém que “está a pedir um café, mas está a precisar de um galão ou de um pão”, oferece-lhe o pedido. Nos restantes casos – que têm sido a maioria – os estabelecimentos comerciais aderentes têm caixas onde os clientes podem deixar o valor do café suspenso, o arredondamento da conta ou o troco. Esse dinheiro reverte depois para o fundo “Partilhar com esperança” da Diocese de Braga, que é gerido pela Cáritas, que se encarrega de fazer chegar os donativos a famílias com carências identificadas.
 
A ideia que José Silvino tem posto em prática não é sua. O padre vimaranense seguiu a sugestão da mensagem de Quaresma do Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga. O representante máximo da Igreja Católica na região chamou-lhe “caridade preventiva”. No texto o conceito original era também alargado: “Porque não falar também de um 'pão suspenso', 'refeições suspensas', 'medicamentos suspensos' ou 'roupas suspensas'?”, questionava o arcebispo, convidando os padres e instituições católicas a desenvolverem a ideia nas suas paróquias.
 
“Mediante este gesto de caridade, ao alcance de todos nós, creio que estaremos a combater de um modo directo a denominada pobreza envergonhada, que já afecta muita gente da classe média”, sublinha o arcebispo. Para o padre de Guimarães, o que mais o marcou na mensagem “foi a ideia de que o jejum da Quaresma não é tanto uma questão de renúncia, quase como um castigo que fazemos a nós próprios, mas de partilha”. E foi a essa mensagem que apelou junto dos proprietários das pastelarias mais próximas da igreja do Toural, e também nos bares do hospital da cidade (onde é capelão).
 
Apesar de a iniciativa terminar na próxima semana, com a Páscoa, José Silvino promete repetir a ideia nos próximos anos. “Para o ano quero um Toural suspenso”, brinca o padre, ilustrando a intenção de alargar a ideia a, pelo menos, todos os cafés e restaurantes nas imediações da principal praça de Guimarães.
 
O conceito terá nascido no Sul de Itália, na cidade de Nápoles, há cem anos e tinha força sobretudo na época do Natal. Mas o “caffè sospeso” foi desaparecendo na fase de crescimento económico após a II Guerra Mundial. A recessão dos últimos anos fê-lo recuperar força e globalizar-se, chegando a vários países da Europa, Estados Unidos e América do Sul. Em Portugal começou a dar os primeiros sinais no ano passado. A padaria Pabiru, na Lousã, foi uma das primeiras a aderir à ideia. Pouco tempo depois, a pastelaria Mordido, em Odivelas, também apresentava o seu café suspenso.
 
“Ouvimos falar através de um cliente e adaptamos o conceito ao nosso café”, conta Pedro Mordido, proprietário deste estabelecimento comercial, que até criou uma ementa especial de “suspensos” que além de café a preço mais reduzido tem bens essenciais como pão, fruta ou sopa. Os clientes deixam, em média, 20 contributos por semana e “sempre que alguém pede, há dinheiro de lado para pagar o que consumirem”.
 
O exemplo da pastelaria Mordido levou um grupo de pessoas que tinha tido conhecimento da iniciativa a lançar uma petição online em que é defendido que este devia tornar-se um projecto de âmbito nacional. “Sem gastos excessivos ou mudanças na sua rotina, um simples gesto solidário pode melhorar o dia de um desconhecido e fazê-lo a si, dador, sentir que participa num projeto coletivo de afetos”, sublinhavam os primeiros subscritores de uma ideia que tem tido pouca adesão online (192 subscritores de momento).