Thursday 1 January 2015

GNR HERÓI

29.12.2014 11:04
GNR herói salva três pessoas da morte
Reanimou duas vítimas em paragem cardiorrespiratória e salvou mulher de ser colhida.

 Por João Tavares
Por altura do Natal, o militar Ricardo Rosa, 37 anos, salvou em 2010 uma mulher da morte. Encontrou a vítima, de 62, em paragem cardiorrespiratória e conseguiu reanimá-la. E desde então já salvou outras duas pessoas – a última das quais no passado dia 7. O militar, destacado no posto da GNR de Salvaterra de Magos, evitou que uma condutora fosse atropelada.
No salvamento, Ricardo Rosa fraturou o braço esquerdo – mas não duvida de que se fosse hoje "voltava a fazer o mesmo. Foi tudo muito rápido. Eu e um colega parámos para ajudar a senhora a mudar o pneu do carro. Ela ficou de costas para o trânsito e depois só vi um carro em alta velocidade que ia passar mesmo rente ao carro da senhora", conta ao CM Ricardo Rosa. "Eu ainda gritei, mas ela em vez de fugir olhou para trás. Nessa altura já só tive tempo de agarrar nela, puxá-la e depois caímos no chão", diz.
Após o ato heroico de 2010, o militar também salvou um homem, de 57 anos, de uma paragem cardiorrespiratória. Agora foi a vez desta condutora. "Ela na altura começou a chorar, agradeceu-me muito. Mas foi tudo rápido, não há quase tempo para pensar." Se este foi um ato de instinto, para os dois primeiros salvamentos muito contribuiu a formação que teve nos bombeiros. "Adquiri vários conhecimentos enquanto bombeiro que agora me ajudaram a fazer o suporte básico de vida às vítimas. Consegui salvá-las, e isso é o que interessa."


Monday 29 December 2014

REFOOD EXPANDE-SE


Todos os dias, em milhares de restaurantes por todo o país, toneladas de alimentos em perfeito estado iam parar ao lixo. Até que surgiu a pergunta: tem mesmo que ser assim? A ASAE esclareceu que não, que as regras existentes permitem a doação da comida que sobra. Tudo começou há três anos, com o Zero Desperdício e a Refood. Hoje, o movimento não pára de crescer, em número de núcleos, voluntários e beneficiários. Mas a ambição é ainda muito maior.
 
      Muitas pessoas têm uma ideia do voluntariado que é idealizada. Voluntariado é trabalhoQuem aderiu com entusiasmo e logo desde o início ao desafio de Hunter foi Marco Pereira, do restaurante Laurentina — O Rei do Bacalhau: “O Hunter andava aí pelo bairro na bicicleta, falava, falava, na altura o projecto era só uma ideia, com um óptimo nome”. Mas para o Laurentina fazia todo o sentido. “O meu pai [António Monteiro, o fundador do restaurante, recentemente falecido] era muito católico, e quando ia à missa costumava dizer às pessoas que lá estavam a pedir para no final da noite aparecerem no restaurante. Elas vinham a partir das onze horas, e nós dávamos-lhes as sobras. No fundo era um Refood, mas mais pequenino.”
Conversamos precisamente num final de noite, enquanto a equipa do Laurentina limpa a cozinha depois de terminado o serviço. Num canto, arrumados, estão alguns tachos e tabuleiros com batatas assadas, batatas cozidas, uma panela com sopa, e uma travessa com pastéis de bacalhau, que são servidos como entrada a todos os clientes e que por isso “sobram sempre” — em breve chegarão duas voluntárias da Refood para recolher estes alimentos. O processo não tem qualquer dificuldade para os funcionários, diz Marco. “Em vez de deitarem fora, põem de lado”.

Mesmo assim não se evita totalmente o desperdício. O que é doado não são restos, são sobras que nunca chegam a ser servidas. Ao fundo da cozinha vão chegando os pratos que trazem, esses sim, os restos que os clientes não comeram e que vão para o caixote do lixo. “Está a ver aquele balde de lixo para onde estão a deitar o que vem nos pratos? Leva 50 litros e é despejado duas vezes por dia, o que significa que, apesar de tudo, deitamos o equivalente a 100 quilos para o lixo diariamente.” Não é possível reduzir um pouco as doses? “Já tentámos, mas num restaurante de cozinha tradicional portuguesa como é o nosso é muito difícil.”

E a segurança alimentar, no meio de tudo isto? Para falarmos das regras que enquadram a doação de alimentos temos que falar de outra iniciativa que, não trabalhando no terreno da mesma forma que a Refood, ajudou a criar as condições para que tudo isto possa acontecer, estabelecendo parcerias entre as empresas doadoras e as instituições de solidariedade que recolhem os alimentos. Trata-se da Dariacordar, criada em Janeiro de 2011, e do movimento Zero Desperdício, lançado em Abril de 2012. Aliás, tudo começou por aqui, por António Costa Pereira, comandante da TAP, e a sua petição contra o desperdício alimentar.
Lisboa tem 10 mil restaurantes. Neste momento cobrimos à volta de 500. "É um trabalho enorme”, diz Hunter. “Queremos cobrir toda a cidade"
 
A questão que surge sempre nesta história é: como é que não nos lembrámos disto antes? Mas, explica Paula Policarpo, da Dariacordar, existia um “mito urbano” segundo o qual as regras para a doação de alimentos eram extremamente restritivas e qualquer restaurante que o tentasse poderia ter problemas com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). “A lei é muito complexa, e quando as directivas comunitárias entraram em vigor as empresas de higiene e segurança alimentar fizeram uma interpretação muito restritiva”, explica. “Mas, no fundo, o que a lei faz é responsabilizar cada um dos operadores. Nós trabalhámos com a ASAE para construir as linhas de orientação para a doação deste tipo de comida, imaginando todos os cenários, definindo como se acondiciona, como se transporta, como é recolhida, como deve ser entregue e consumida. Quando um operador tinha dúvidas, perguntava e nós enviávamos a pergunta à ASAE, que esclarecia.”

Foi essa, aliás, a primeira iniciativa de António Costa Pereira: ligar para a ASAE e perguntar porque é que era tão difícil doar comida. Não é, foi a resposta que teve. E assim, a passo e passo, foi-se começando a derrubar o tal “mito urbano”.

A Revista 2 contactou também Pedro Portugal Gaspar, inspector-geral da ASAE, para tentar perceber se alguma coisa mudou ou se era, de facto, apenas uma questão de interpretação. “Nada mudou, houve apenas uma dificuldade de interpretação legal pelas entidades envolvidas”, respondeu o responsável, por email. “A legislação em vigor é muito generalista e tem que ser interpretada face à actividade em causa. A ASAE ajudou a fazer essa interpretação, colaborando na elaboração de procedimentos de boas práticas.” Por isso, confirma Pedro Portugal Gaspar, actualmente existe disponível informação suficiente para que quem queria doar alimentos o possa fazer sem recear vir a ter problemas com a ASAE.

O facto de estar a aumentar muito o número de iniciativas destinadas à recuperação de alimentos que de outra forma iriam parar ao lixo não constitui um problema nem levou a um aumento do número de inspecções, garante o inspector-geral. “A ASAE prossegue com a actividade normalmente e inspecciona restaurantes e outras actividades dentro do seu plano de inspecções.” Quanto aos cuidados a ter, passam apenas pelas “regras básicas de higiene, quer no acondicionamento dos alimentos pelos estabelecimentos que os doam, quer ainda nas instituições que os recolhem”. Importante neste processo é “a manutenção do circuito de temperatura” e a preocupação em manter os alimentos por períodos de tempo curtos, “proporcionando doações céleres”.

Paula Policarpo sublinha que, apesar de ter sido a recuperação de alimentos o principal foco da sua actividade até agora, o papel da Dariacordar é diferente do da Refood, ou do Banco Alimentar. “O que queríamos era inspirar, mostrar que era possível. Por isso criámos um Manual de Réplica do Programa Zero Desperdício, que actualmente está no site da Direcção Geral da Comissão Europeia de Saúde e Consumidores Europeus e no da FAO como exemplo de uma boa prática.”

Entre as instituições que entretanto assinaram o protocolo com o movimento estão, por exemplo, a Assembleia da República, o Banco de Portugal, a Casa da Moeda, a Caixa Geral de Depósitos, vários hospitais, diversas instituições bancárias e grandes empresas em diferentes áreas. Do outro lado estão os municípios e as organizações ligadas a estes que identificam as famílias necessitadas e lhes fazem chegar os alimentos. Tudo isto, frisa, “utilizando meios já existentes” e evitando assim multiplicações.


Miguel e Henrique, voluntários da Refood, à porta de uma das pastelarias onde foram recolher sobras
Com base nesta estrutura, o Movimento Zero Desperdício já conseguiu recuperar mais de um milhão e 500 mil refeições em sete concelhos do país, reunindo cerca de 100 entidades doadoras e 60 instituições receptoras, e tendo como beneficiários 7300 pessoas. Mas Paula Policarpo insiste numa ideia: “Esta comida serve de complemento. Não queremos que as pessoas se alimentem de excedentes. Neste caso a comida está a ser direccionada assim porque há pessoas a passar fome. Caso não existisse esta necessidade, haveria outras formas de os recuperar”. Ou seja, o objectivo do movimento não é combater a fome, mas evitar o desperdício, e é por isso que os planos não se esgotam no que já está implementado e vão muito para além disso. “O que queremos é promover uma consciencialização para o facto de que quando deitamos comida fora fazemos subir os preços dos alimentos e desrespeitamos ainda mais as pegadas hídrica, carbónica, etc. Deitamos fora um bocadinho dos recursos, escassos, do planeta.”

E acreditam que essa consciencialização deve começar pelas crianças e jovens. Por isso, criaram um pacote para as escolas e estabeleceram um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa — um projecto (que envolve também a agência de publicidade J.W. Thompson, a Fundação Gulbenkian e a Fundação EDP) que irá arrancar já em Janeiro.

A primeira iniciativa, revela à Revista 2 a vereadora Graça Fonseca, será a apresentação de uma colecção de quatro livros sobre alimentação e sustentabilidade, destinados ao ensino básico. Foram convidados quatro escritores e quatro ilustradores: “A Rita encolheu, e agora?”, com texto de Marta Hugon e ilustrações de António Jorge Gonçalves; “A vida difícil de uma manteigueira”, de Isabel Zambujal e Rodrigo Sousa; “Confusão no corredor dos enlatados”, de José Luís Peixoto e Catarina Bakker; e “O tio desafio”, com texto de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães, e ilustrações de Carla Nazareth.

Se começarmos a trabalhar com os públicos mais jovens conseguiremos chegar aos adultos”, diz Graça Fonseca. “A ideia é que sejam livros com temas que as crianças possam trabalhar na escola, e que as levem a perceber, por exemplo, o que significa a nível de desperdício de recursos do planeta de cada vez que não comem a salada.”

Mas o projecto da Câmara, sempre em parceria com as mesmas entidades, é mais ambicioso. “O nosso objectivo é recuperar as cozinhas e as cantinas para que cada vez mais escolas possam confeccionar as refeições no local”, afirma a vereadora. No âmbito do Programa Escola Nova foram já instaladas 12 novas cozinhas, o que faz com que actualmente em Lisboa existam 52 escolas com confecção local e 41 com refeições em catering. Mas em breve será dado um novo passo.
1.500.000 refeições já foram recuperadas pelo Movimento Zero Desperdício em sete concelhos do país, ajudando 7300 pessoas
     
A escola que vai abrir em 2015 no Convento do Desagravo, na freguesia de São Vicente, vai servir como um espaço de ensaio para a ideia de ter refeições só com produtos de origem nacional, e comprados a pequenos produtores (o projecto Fruta Feia, de recuperação de peças de fruta habitualmente rejeitadas nos super e hipermercados, está já envolvido).

A transformar estes produtos em pratos estará o chef Nuno Queiroz Ribeiro, que, depois de ter estudado no Le Cordon Bleu, em Londres, abriu em Beirute um restaurante de comida vegetariana, vegan, macrobiótica e biológica, e a quem foi agora pedido que desenvolvesse uma ementa apenas com produtos de origem nacional, frescos, “oriundos de produtores/cooperativas nacionais, preferencialmente localizados na região de Lisboa, privilegiando alguns produtores locais que não consigam, regularmente, escoar todos os seus produtos e, portanto, sejam forçados a desperdiçar largas quantidades de alimentos.”

Graça Fonseca explica que, depois de se testar o modelo no Convento do Desagravo, a Câmara pretende alargá-lo progressivamente a mais escolas. E as refeições não saem mais caras? “Sim, são um pouco mais caras, mas é uma opção que os poderes públicos têm que fazer. Tem que ser o sistema público a dar o exemplo, e este modelo tem inúmeras mais-valias, a mais importante das quais é a melhoria da alimentação das crianças.” E, enquanto comem um bolo de espinafres (foi uma das receitas que Nuno Ribeiro já lhes deu a experimentar, e que, conta a vereadora, foi um sucesso), aprendem a importância de não se desperdiçar comida. “É uma aposta nesta geração”, diz a vereadora.

É uma aposta para crescer. Tal como o Refood que, como diz Hunter, “não se expande, replica-se: freguesia, cidade, planeta”. Ou como o Movimento Zero Desperdício, que já não pensa apenas em Portugal mas no mundo. “Se há comida que sobra numa região do mundo e noutro país há necessidade, é preciso encontrar forma de escoar esses excedentes primários e fazê-los chegar onde são necessários”, defende Paula Policarpo. “Estamos já a trabalhar num projecto piloto com dois países”.

Para já, em dois anos muita coisa mudou em Portugal, e os modelos replicam-se a grande velocidade. E o que fez desencadear tudo isto foi uma pergunta simples: porque é que não é possível doar os alimentos que sobram? Afinal era possível.
 


Os voluntários já conhecem bem os hábitos de cada família e começaram a anotar o que levou cada uma nos dias anteriores, para não haver repetição