Monday 20 February 2012

JOÃO SALAVIZA PREMIADO EM BERLIM


João Salaviza. “É um ano histórico para o cinema português”

Por Vanda Marques, publicado em 20 Fev 2012

No Festival de Cinema de Berlim a festa foi portuguesa com João Salaviza e Miguel Gomes a receberem três prémios

A Palma de Ouro que João Salaviza tem lá em casa ganhou outro companheiro, desta vez é um Urso, também ele de Ouro. Os prémios não vão ficar num alto de uma prateleira, mas “bem guardados” numa gaveta. O realizador de 28 anos conquistou o Urso de Ouro para Melhor Curta- -Metragem, no Festival de Cinema de Berlim. Juntamente com Miguel Gomes, vencedor de dois prémios, fazem deste Berlinale o mais português de sempre. O Urso de Ouro de Melhor Filme foi para os Irmãos Taviani com “Cesare deve morire”. Falámos com Salaviza que ainda está em Berlim e já está a trabalhar no próximo filme.

Estava a espera de receber este prémio?

Não, porque achei que o meu filme tinha um perfil bastante diferente dos outros que eram mais experimentais. A minha curta é talvez o filme mais simples que fiz até hoje. Além disso, não recebi nenhuma indicação do festival de que eu ia ter qualquer menção.

Isso costuma acontecer? Em Cannes recebeu alguma dica?

Desconfiei um pouco porque mesmo antes do início da cerimónia soube que outros portugueses foram convidados para estarem presentes e só havia um filme português em competição. Desconfiei que podia ter uma menção ou algo assim.

Como é que “Rafa” se distinguiu das outras curtas?

No fim do festival conhecemos o júri, e no jantar no fim da cerimónia, falei com os três membros. Eles disseram-me que se destacou pelo minimalismo e simplicidade. O facto de não forçar as emoções, de ter dado espaço à personagem principal para existir sem que o cinema force ou condicione as emoções.

O que significa este prémio?

É um dos festivais mais importantes do mundo, conquistar o prémio em Berlim tem um peso enorme, especialmente neste momento, não só a nível pessoal, mas também para o cinema português. Tenho consciência de que posso fazer os filmes que faço porque tenho um legado atrás de mim, a quem eu devo muito, que são todos os realizadores portugueses. Aliás Miguel Gomes referiu isso quando recebeu o prémio. Desde os anos 60 que os realizadores portugueses têm feito filmes, e parafraseando Miguel Gomes, com independência do poder político e económico. E é por isso que o cinema português continua a manter a sua especificidade. Hoje, é ainda mais importante porque está a ser discutida a nova lei do cinema e é muito importante que vá para a frente.

Porquê?

Se esta lei não for aprovada é a estagnação do sector. O cinema português tem sido mal tratado por sucessivos governos, não há financiamentos, e tem de haver. Que venham através da taxa sobre a publicidade, dos operadores privados, de uma taxa sobre a bilheteira, sem financiamento deixa de existir. O que é importante é acreditar que o novo governo está a tentar encontrar formas alternativas de financiar o cinema. Considerando o número tão reduzido de filmes que são feitos esta discussão da falta de público e de interesse é uma discussão completamente falaciosa e obsoleta.

Como assim?

Os filmes portugueses são vistos pelo mundo inteiro. O filme do Miguel Gomes acabou de ter alguns milhares de espectadores, a minha curta também. Em Portugal quando os filmes são bem tratados e bem promovidos, como foi o caso do “Sangue do Meu Sangue”, [João] Canijo, ou “O Filme do Desassossego”, do [João] Botelho, existe um público que está sedento.

Porque dedicou o prémio ao governo?

Obviamente que o fiz para alertar para a importância do prémio e ao mesmo tempo dediquei-o ao governo na condição de não voltarem atrás na lei que está a ser discutida.

Esta curta foi uma co-produção luso- -francesa. Porquê?

Surgiu porque chegámos à conclusão que era preciso mais dinheiro para fazer o filme. O dinheiro da co-produção foi utilizado para a pós-produção, que foi feita em França.

Foi um investimento muito grande?

É um valor público, o apoio que recebi do Instituto do Cinema anda à volta dos 40 mil euros, um valor semelhante ao do “Arena”. O apoio francês foi um valor um pouco menor e foi utilizado para a pós-produção.

Quando vai estrear “Rafa”?

Ainda não sabemos, mas brevemente. Temos pretensão de estrear o filme nas salas, como “Arena”, embora tenha uma duração maior, de 25 minutos, o que pode dificultar a estreia como complemento de uma longa.

Portugal sai muito bem representado deste festival.

Acho que é um ano histórico para o cinema português. O Miguel Gomes sai daqui com dois prémios que são importantíssimos, o “Rafa” sai com um Urso de Ouro. Se considerarmos o número tão reduzido de filmes que fazemos em Portugal, só ir a Berlim competir com filmes norte-americanos, alemães, espanhóis, ingleses, países que fazem centenas de filmes, é uma proeza. Sairmos com três prémios é... quase esquisito. Há alguma coisa especial à volta dos filmes portugueses.

Sabe onde vai pôr o prémio? Ao lado do de Cannes?

Não tenho um sítio especial. Tenho-o dentro de uma gaveta, bem guardado. Não acho muito bonito ter a coisa assim à mostra.

O que se segue?

Vou voltar ao processo de reescrita da longa-metragem que vou filmar no fim do ano. A longa vai andar à volta dos mesmos temas que tenho explorado. Vai ser um filme pequeno sobre uma família e a sua convivência enquanto indivíduos.

Numa altura como a que vivemos em Portugal, este prémio é mais especial?

Às vezes digo que os prémios são adereços, mas na prática é bom que se gere esta onda de entusiasmo à volta do meu filme e do “Tabu” do Miguel Gomes. Acho que é nesta altura que se tem de investir na cultura.

Porquê?

A cultura é um pilar da democracia, uma ferramenta do pensamento. Só existimos enquanto povo graças à nossa cultura, porque as fronteiras mudam, as pessoas que vivem num país saem e entram, mudam. Tudo é efémero menos a cultura.

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