Tuesday 1 February 2011

RENATO E CARLOS: DUAS ILUSÕES


Amar para morrer em NYC. A história de duas ilusões

Castro teve uma relação sem intimidade sexual e mandava um detective privado investigar a vida de namorados e amigos

Cumpriu-se a vontade do cronista: as suas cinzas ficaram em Nova Iorque. Os restos mortais, aqui nas mãos da irmã de Castro, acabariam depositados no respiradouro do metro daquela cidade

No último dia de Dezembro, o detective privado Mário Costa enviou um sms a Carlos Castro. "Atenção que na ''Penthouse'' portuguesa, página 90, vem lá um porco a falar cobras e lagartos de ti." Estranhou o silêncio - o habitual era o cronista responder quase de imediato - e ligou-lhe no dia seguinte. Em Nova Iorque, Castro desvalorizou a história da revista e preferiu concentrar-se num plano futuro: "Ainda bem que telefona. Quando chegar a Lisboa quero logo falar consigo."

Há anos que o cronista e o detective trocavam favores. Mário Costa servia-se de Carlos Castro para obter informações de gente do meio da moda e do jet-set: "Não havia melhor informador do que ele. Sabia tudo de toda aquela gente". Em troca, Castro mandava investigar os namorados ou amigos quando suspeitava de alguma traição. "Queria saber se o traíam, que vida levavam ou o que diziam dele nas suas costas", conta ao i Mário Costa. No que respeita aos envolvimentos amorosos, Carlos Castro cometia um erro crasso, na perspectiva do detective: "Chamei-o burro tantas vezes. Só vinha ter comigo quando as relações estavam à beira da ruptura."

A necessidade de controlar a vida dos que o rodeavam não espantava os amigos mais próximos, que reconheciam nele "um homem de paixões intensas e fulminantes", das quais saía quase sempre destroçado e com tendências de suicídio. Castro, que nunca se envolveu sexualmente com uma mulher, deixava-se atrair pela beleza dos homens entre os 20 e os 30 anos, pela sua força e masculinidade. Quando se apaixonava era dedicado e fiel e o seu lado romântico superava as leis da atracção dos corpos. Um amigo contou ao i uma confidência que Castro lhe fez: na relação que manteve com um GNR "não chegou a existir intimidade sexual. "O GNR dizia-lhe que não estava preparado para partir para uma relação física homossexual. E o Carlos, como gostava dele, esperava."

Os amigos duvidam que tenha acontecido o mesmo com o manequim de Cantanhede, Renato Seabra. Cláudio Montez, o amigo mais próximo e que nos últimos meses transportava Carlos Castro para todo o lado, diz não poder contar tudo o que sabe por ser testemunha no processo em Nova Iorque, mas põe a questão de outra forma: "Alguém, nos dias que correm, aguenta isso dormindo três meses na mesma cama?"

O cronista Flávio Furtado recorda que o autor de "Solidão Povoada'' "escolhia bem as pessoas de quem se aproximava". "Cheguei a ver muitos pedidos de amizade no seu Facebook e ele só adicionava quem queria - tinha pouco mais de 300 amigos. Na fila da frente de uma edição da Moda Lisboa, chegou a mostrar-me mensagens com piropos enviadas por jovens que estavam nas filas de trás." Além dos ciúmes, Castro deixava-se consumir pelo medo de ser assassinado. "Se havia alguém que lhe enviava um email mais exaltado ele queria logo apresentar queixa porque pensava que era uma ameaça", recorda Flávio Furtado. Apesar da língua afiada, era o mais bondoso do seu grupo de amigos. Numa ocasião, quando estava a tratar da organização de um espectáculo, propôs o nome de uma amiga cantora de meia idade que estava sem dinheiro e a precisar de um frigorífico. A cantora não foi contratada. Carlos Castro comprou-lhe o electrodoméstico e levou-o a casa.

A vida e a morte Carlos Castro volta a ser um adolescente. No 22.o andar das Twin Towers, na noite de Natal, o cronista dá pulos eufóricos na cadeira. Já recebeu um telefonema de Odília Pereirinha, mãe de Renato, a agradecer o que tem feito pelo filho e os presentes que deu à família - Renato, mãe, irmã, cunhado e avó. Estão mais seis pessoas à mesa e chega um sms do manequim: "Já tomaste o leitinho?" Castro, deslumbrado, confidencia aos amigos ter encontrado "a alma gémea". Cláudio Montez e Guilherme de Melo, que conheciam de cor outras paixões frustradas do amigo, tentam trazê-lo à terra. "Crias um mundo imaginário à tua volta e depois eu sei como é o fim disto tudo. Entras em depressão, queres morrer e fazes a nossa vida um inferno", diz-lhe Guilherme. "Desta vez não vai ser assim. O Renato adora-me", responde Castro.

Minutos depois chega outro sms de Renato. "Reparei agora nas horas, mediste a tensão? Sei que estou a ser chato, mas sabes que te adoro." Castro não tinha pudor em mostrar as mensagens aos amigos, como se precisasse de uma prova para sustentar a sua crença: "O rapaz passa a vida a dizer que me adora, acho que isto é para a vida." Cláudio Montez e Guilherme de Melo encolhem os ombros. Castro remata, convencidíssimo: "Ele ama-me."

Treze dias depois, Renato sai do hotel, em Times Square, após tomar o pequeno--almoço, enquanto Carlos Castro fica no Intercontinental a responder a um inquérito da revista "Pública". No quarto do 34.o andar, Castro pensava "ir almoçar uma salada verdinha". Respondia estar a viver "o primeiro e grande momento da sua vida" e que gostaria de morrer "agarrado ternamente" a esse momento. À mesma hora, num restaurante a dez minutos do hotel, segundo avançou o "Sol", Renato pedia o telemóvel a uma desconhecida e ligava à mãe a pedir ajuda para regressar a casa. Odília terá sido a última a ouvir a voz de Castro, quando este lhe liga a avisar que o filho já chegou à suite. Depois de uma discussão, Renato asfixia-o. Esmurra-o, partindo-lhe um osso hióide que suporta os músculos da língua. Espezinha-o, deixando a sola do sapato marcada com sangue no rosto do cronista. Castro já está morto, mas Renato pontapeia-o e depois de espetar um saca-rolhas aleatoriamente em várias partes do corpo nu, rasga-lhe os testículos. Renato deixou-se de ilusões: já não acreditava que Carlos Castro podia ser o passaporte para a carreira.

Como confidenciam alguns amigos, Castro "já não tinha o poder de outrora". Era um romântico e só nesse momento terá percebido que era ilusão acreditar que o rapaz de 21 anos era "a outra metade da laranja". "Ele iludiu o Carlos e provavelmente o Carlos também o iludiu", avança Maya, amiga de Castro. 14h de Nova Iorque (19h em Lisboa) - hora do óbito - é a hora em que se desfazem duas ilusões.

por Sílvia Caneco, Publicado em 17 de Janeiro de 2011

http://www.ionline.pt/conteudo/98855-amar-morrer-em-nyc-historia-duas-ilusoes

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