Wednesday 2 February 2011

RENATO OUVIDO EM AUDIÊNCIA



Homicídio em 2.º grau garante 15 anos de cadeia a Renato Seabra

Defesa vai concentrar-se na resolução do caso através de negociações. Caso não deverá chegar a julgamento

As portas da ala psiquiátrica do hospital de Bellevue abriram-se ontem para deixar sair Renato Seabra. O português foi presente ao Supremo Tribunal de Nova Iorque onde se declarou inocente. Foi acusado de homicídio em 2.º grau (Foto LUCAS JACKSON/reuters)

Renato Seabra declarou-se inocente pelo homicídio de Carlos Castro, mas a confirmação da acusação por homicídio em segundo grau atira-o para um cenário de pelo menos 15 anos de prisão.

No estado de Nova Iorque, o homicídio em segundo grau é punido com uma pena que varia entre os 15/25 anos e a prisão perpétua. A defesa entra agora na fase de ataque: tem de reunir o máximo de provas e exames psiquiátricos para conseguir negociar com a procuradora de justiça e convencê-la a atribuir uma pena o mais reduzida possível, sem necessidade de levar o caso a julgamento. "A pena ficará entre os 15 e os 20 anos. Não acredito na hipótese de ser inferior a 15 anos", vaticina Tony Castro, com base na experiência de 14 anos como procurador de justiça no condado do Bronx. "A procuradora vai atirar para os 20 anos e o advogado vai pressionar para conseguir uma pena mais próxima dos 15", acrescenta o especialista em direito criminal.

A hipótese de o caso só conhecer um desfecho em julgamento está praticamente posta de parte. Não só porque as estatísticas o confirmam - só 5% dos processos em Nova Iorque são resolvidos em julgamento público - mas também porque há mais riscos do que benefícios em arrastar o caso para julgamento. "Os riscos de ir a julgamento são enormes. Se perde o caso arrisca-se à pena máxima, que é a prisão perpétua", explica o advogado Tony Castro. Em julgamento, Renato Seabra ficaria dependente do trial jury - um elenco de 12 jurados -, responsável por votar a condenação. "É preciso perceber se as provas da defesa são suficientemente fortes para arriscar. Se a procuradora não fizer uma oferta inferior a 20 anos, aí o advogado pode entender que não tem grande coisa a perder em julgamento: no máximo, perde por cinco anos", esclarece Tony Castro.

Vinte e cinco dias depois do crime na suite do hotel Intercontinental, em Nova Iorque, Renato Seabra saiu ontem pela primeira vez do Hospital de Bellevue, onde vai continuar detido até à próxima audiência, marcada para 4 de Março. Bastaram três minutos para o manequim e o advogado ouvirem do juiz a acusação votada pelo grand jury e para David Touger dizer duas palavras em nome de Renato Seabra: "not guilty."

O facto de o grand jury ter confirmado a acusação inicial e não a ter subido para homicídio em primeiro grau mostra que os exames toxicológicos e os últimos resultados da autópsia confirmaram que os testículos de Carlos Castro foram castrados após e não antes da morte.

A acusação por homicídio em segundo grau dá agora mais espaço de manobra à defesa. "Se fosse homicídio em primeiro grau, as hipóteses de negociar seriam reduzíssimas", adianta o ex-procurador Tony Castro.

David Touger pode tentar reduzir o número de anos de prisão ao mínimo num caso de homicídio em segundo grau - 15 anos. Renato Seabra só passará menos de 15 anos na cadeia se a sua defesa conseguir baixar a acusação para manslaughter em primeiro grau, o equivalente a homicídio involuntário. Para isso, as provas têm de sustentar um de dois cenários: que "Renato não tinha intenção de matar Carlos Castro ou que sofreu de uma insanidade temporária", explica Tony Castro.

Nos próximos dias a defesa vai entregar requerimentos para tentar fragilizar a acusação. Os mais prováveis são um requerimento para tentar anular o indictment - a acusação formal do grand jury lida ontem - e outro para tentar anular a confissão de Renato à polícia de Nova Iorque. No dia 4, data da próxima audiência no Supremo Tribunal de Manhattan, o juiz vai dizer se os pedidos do advogado foram ou não aceites. Se David Touger conseguir provar ao juiz que a confissão do manequim foi arrancada quando ele já tinha um advogado ou que o seu estado psicológico na altura não lhe permitia fazer uma admissão de culpa coerente, soma uma vitória na defesa do caso porque a confissão deixa de poder ser usada como prova.

Ontem o tribunal permitiu o acesso a documentos do processo, como a acusação e a confissão do manequim. O documento revela que Renato Seabra confessou ter agredido Carlos Castro durante uma hora na sequência de uma discussão verbal que se transformou em confronto físico. A confissão não revela, no entanto, o motivo que esteve na origem da discussão a 7 de Janeiro.

Insanidade temporária é o mais difícil de provar numa avaliação psiquiátrica

O principal trunfo da defesa de Renato Seabra passa por alegar insanidade temporária no momento do crime. Se o advogado David Touger conseguir prová-lo, com a ajuda dos exames psiquiátricos a que Renato Seabra tem sido submetido no Hospital de Bellevue, em Nova Iorque, fica mais perto de negociar uma redução de pena ou até de conseguir descer a acusação para "manslaughter" em primeiro grau, o equivalente a homicídio involuntário em Portugal (crime inferior ao homicídio em segundo grau de que foi acusado).

No entanto, os psicólogos criminais apontam para a enorme dificuldade de provar uma insanidade temporária. "É extremamente difícil, porque se concentra num só momento: por um lado, pressupõe-se que não há antecedentes, por outro, trata-se de avaliar uma coisa que já aconteceu e já não acontece", adianta a psicóloga Francisca Rebocho. O psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves vai mesmo mais longe e diz não haver "suporte científico para provar insanidade temporária". "O que é possível de provar é ter havido, por exemplo, uma amnésia lacunar – muito comum entre os infanticidas. Aí os sujeitos não se conseguem lembrar do que aconteceu naquele momento, mas a verdade é que o seu estado psicológico também não fica bem depois", acrescenta.

Mais fácil é desvendar a existência de patologias que podem levar a um ataque de fúria pontual, como perturbações bipolares ou uma psicose. "Há psicoses que nascem com os sujeitos mas só despontam aos 20 anos de idade", explica Francisca Rebocho. "Uma coisa é o que todos conhecem daquela pessoa; outra é o seu lado invisível. Cabe à avaliação chegar à esfera invisível do sujeito", reforça o professor de psicologia Carlos Poiares.

A avaliação psicológica e psiquiátrica do sujeito num caso de homicídio é sempre um processo demorado e com intervalos. São feitos exames psiquiátricos e psicológicos, testes de personalidade e de funcionamento neurológico, questionários e entrevistas. Chega-se então a uma série de hipóteses, que são depois confirmadas através de uma bateria de testes. A equipa não chega a conclusões só através de resultados clínicos: as circunstâncias em que o crime ocorreu ou até "o substrato da relação entre autor e vítima" são fundamentais para "compreender as motivações e conhecer o sujeito psicologicamente", defende Carlos Poiares.

O facto de Renato Seabra permanecer detido no Hospital de Bellevue não indica necessariamente ter sido detectada alguma perturbação clínica. "Os peritos querem ficar totalmente esclarecidos. E isso implica uma avaliação completa e demorada", afirma Rui Abrunhosa Gonçalves.

Publicado em 02 de Fevereiro de 2011

http://www.ionline.pt/conteudo/102098-homicidio-em-2-grau-garante-15-anos-cadeia-renato-seabra

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