Sunday 13 March 2011

DRA. FERNANDA PALMA: PENAS NEGOCIADAS


Sentir o Direito

Penas negociadas

O processo penal norte-americano admite, em regra, a negociação entre o Estado, representado pelo "Promotor de Justiça", e o acusado, mesmo que ao crime corresponda a prisão perpétua ou até a pena de morte. A lógica da negociação é poupar esforços na produção de prova contra o acusado e outros possíveis implicados. Na perspectiva da defesa, afasta-se a aplicação de uma pena mais grave.

Esta lógica tem uma repercussão limitada em Portugal. O acordo entre o Ministério Público e o arguido é possível na suspensão provisória do processo e no processo sumaríssimo, que se aplicam a crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos. No primeiro caso, o arguido é sujeito a injunções ou regras de conduta. No segundo, é condenado em penas não privativas da liberdade.

Estamos, assim, muito longe de uma negociação penal à maneira americana. Mas o acordo pode contribuir, entre nós, para reduzir a morosidade e os custos processuais, no caso de crimes pouco graves, cometidos por arguidos primários e com um grau de culpa diminuto. Resta saber se ir mais além seria compatível com a nossa Constituição e com uma política criminal consistente.

A negociação processual só será aceitável quando existirem provas indiciárias que criem a convicção da prática do crime e se a solução obtida assegurar a defesa da sociedade, a reparação dos danos do crime e a reinserção social do arguido. É inadmissível que a negociação possa levar um arguido inocente a assumir uma responsabilidade que não tem, por falta de confiança na Justiça.

A generalização a todos os crimes do chamado "plea bargaining" (de que tanto se falou, recentemente, a propósito do homicídio de Carlos Castro) não poria em causa, em teoria, os nossos princípios e normas constitucionais. Porém, haveria um risco acrescido de interesses como a imagem do Ministério Público ou, por exemplo, a política de imigração, se sobreporem às finalidades do processo.

Na verdade, um sistema de negociação penal implica quadros culturais não retributivos, cujo valor fundamental é a utilidade da pena na defesa da sociedade, e requer magistrados especialmente informados sobre a pessoa delinquente. A negociação tem de estar inserida numa Ordem Jurídica muito evoluída, sob pena de não passar de uma transacção de interesses irrelevantes ou de escasso valor.

O sistema de negociação só constitui uma solução aceitável com um controlo judicial rigoroso. É indispensável garantir a correcta aplicação da lei e a resolução satisfatória do conflito social gerado pelo crime. Nesse sistema, o Ministério Público, para além de defender a legalidade democrática, tem de assumir a representação da comunidade e a gestão do interesse colectivo na punição do crime.

Por:Fernanda Palma, professora Catedrática de Direito Penal


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