Lili Caneças. "Os meus amigos eram maoistas. Eu sempre fui trotskista"
por André Rito, Publicado em 14 de Julho de 2011
Foto Pedro Azevedo
É conhecida por ser "a" tia de Cascais mas não se revê no título. Eis a história da mulher que beijou Polanski, contada pela própria.
Chegou à entrevista antes da hora marcada, pouco depois de comentar na televisão o casamento real no...
"Está a ver aquela casa? Era ali que eu brincava com a filha do rei de Itália." Lili Caneças está sentada na esplanada do Grande Real Villa Itália, em Cascais, onde muitos anos antes se entretinha com os descendentes da realeza enquanto os pais brindavam com flûtes de champanhe e celebravam a alta de Cascais. Dificilmente a sua infância poderia ter sido melhor prenúncio de uma vida passada entre festas e poses encenadas para os fotógrafos da imprensa cor-de-rosa. Mas por baixo dos vestidos emprestados de vários milhares de euros está uma mulher que foi hospedeira da TAP e decidiu deixar de trabalhar quando casou. Depois de 17 anos a viajar pelo mundo veio o divórcio e a conta a zero. Aprendeu a cozinhar aos 37 anos, diz que foi trotskista e solta uma gargalhada quando lhe dizem que o dinheiro traz felicidade. "Quem diz isso nunca soube o que é dinheiro."
Há pouco disse que costumava brincar aqui. Que idade tinha?
Vim viver para a Parede, no concelho de Cascais, aos dez anos. O meu pai era oficial da marinha de guerra e foi colocado no Alfeite, era comandante da base, e a minha mãe procurou casa nesta zona, que se chamava Costa do Sol. Não havia apartamentos, íamos de bicicleta para a praia, andávamos de patins no meio da estrada porque não havia perigo nenhum, e toda a gente se conhecia. Só saí daqui para a Quinta da Marinha, quando casei. Foi o período mais irresponsável da minha vida: não havia televisão e a única preocupação era aprender a dançar rock''n''roll.
Estudou aqui?
A minha mãe queria pôr-me no colégio de Odivelas, mas achei tão deprimente que me recusei. As meninas, coitadinhas, com umas fardas a cheirar a mofo e chapéus de feltro com um ar muito triste, e eu, que tinha o maior respeito e obediência pela minha mãe, disse-lhe que não ficava. Como tinha acabado de abrir o liceu de Oeiras, muito vanguarda - e o primeiro misto -, fui para lá. Já nessa altura os meus melhores amigos eram meninos. Sempre me dei muito melhor com rapazes do que com raparigas.
Porquê?
Porque achava as meninas muito chatas, competitivas, invejosas e falsas. Os rapazes não, eram sempre o espelho da verdade em que eu acreditava. O melhor amigo era o Luís Feist, e a Ana Salazar era das minhas poucas amigas. No livro dela escreveu que era amiga de uma menina muito bonita, que era eu (risos).
Era boa aluna?
Estava muito atenta nas aulas e não precisava de estudar em casa. Hoje digo isso aos meus netos, que estejam atentos, para que possam ter tempo para fazer outras coisas fora do colégio. E foi nessa altura que conheci algumas famílias reais.
Passavam as férias juntos?
Na altura toda a realeza exilada vivia em Cascais ou no Estoril. O rei de Itália vivia aqui e eu fui amiga da filha, a Tita de Sabóia, que era muito louca, achava-a o máximo. Eu tinha dez ou onze anos, víamo-nos na praia do Tamariz ou na Parede, embora eu não gostasse muito da Parede porque não era permitido usar biquíni, apenas fato de banho completo. Fui a primeira a usar.
Chegou a viver em Peniche. Que memórias guarda desses dias?
Ser filha do capitão do porto de Peniche numa terra daquelas era como ser Cleópatra, rainha do Egipto. O meu pai tinha o poder de mandar prender pessoas: se um pescador apanhasse uma bebedeira, ele mandava-o prender. Teve duas paixões na vida: o mar e o Sporting. E sempre que o Sporting ganhava lá vinham as mulheres deles falar comigo: ''Ó menina, veja lá se o seu paizinho pode libertar o meu marido." Percebi muito nova que tinha o poder de libertar pessoas. Quando abriu a pousada nas Berlengas, o meu pai convidou o rei de Itália para ir à inauguração. Anos mais tarde reencontro-o aqui com a família. Íamos muito à tasca do João Padeiro, onde se comia o melhor linguado do mundo. Vocês hoje não sabem o que é o sabor do peixe daqui, porque só comem Pescanova, não é?
...talvez. Já nessa altura era muito dada às festas...
Apesar de não sermos uma família com muito dinheiro, éramos de classe média alta, e tínhamos a sorte de ter uma vida muito boa. Não que o meu pai ganhasse muito, o oficial da marinha era muito mal pago. Eu ia de comboio para o liceu porque o meu pai não me deixava ir no carro com motorista para poupar dinheiro ao Estado. Fui educada assim e tive a sorte de nascer de bem com a vida. A minha mãe costumava dizer que quando eu nasci não ouviu chorar. E, como tão bem sabes, hoje há muita gente deprimida.
Nunca se sentiu deprimida?
Deprimida não, mas às vezes sinto-me triste. Claro que nunca fico assim durante muito tempo. Quando a minha mãe morreu, aí sim, tive um período de grande tristeza. Tinha 30 anos e acho que se não tivesse filhos não teria querido mais viver. Refugiava-me no cinema e adorava filmes de autor, de Fellini, Godard. Durante um mês fui ao cinema todos os dias, esquecia-me da minha tristeza. As pessoas diziam, "olha aquela, morreu-lhe a mãe e já está no cinema". Sempre fui muito criticada. Também gostava muito de ler.
Que tipo de livros?
Adorava o Sartre, a Simone de Beauvoir, vestia de preto. Era existencialista, li todos os livros proibidos. Estava nos antípodas do que era ser português. Detestava Salazar.
Mas o seu pai era um homem do sistema...
O meu pai dava a vida pela pátria. Mas nunca teve cargos políticos, era militar. Foi comandante de mar e guerra, nunca chegou a almirante porque já era um cargo político.
Não era fiel à ditadura?
Não, nunca o ouvi falar de política em casa. Nem de religião ou sexo. Só de festas, rock''n''roll. Apesar disso, era um homem muito rigoroso e exigente nas boas maneiras. Eu tinha tanto pavor de estar à mesa que entornava um copo de água para ele me mandar para a cozinha comer com as criadas. Estava mais descontraída. O que é incrível é que eduquei os meus filhos exactamente da mesma maneira: "Muda de roupa para comer, não metas o cotovelo fora da mesa, não é assim que se pega na faca."
Os seus pais tratavam-na por você?
Os meus pais tratavam-me por tu, mas os meus filhos sempre me trataram por você. Até o cão do meu neto, chamado Óscar, é tratado por você. Às vezes as pessoas ficam chocadas por eu as tratar por tu, sou a única pessoa que faz isso.
Foi estudar Filologia Germânica para fugir à Matemática?
Detestava Matemática e tive a sorte de ter um grande professor, que me levou para as Humanidades. Mas não te passa pela cabeça como era a Faculdade de Letras: o David Mourão-Ferreira a fazer charme para as meninas, o Mário de Albuquerque a passar-se com as loiras vestidas de azul, o Vitorino Nemésio, que toda a gente acha um máximo, a começar aulas em alhos e a terminar em bugalhos. Um ensino péssimo, numa altura de grande contestação. Um dia chegámos à faculdade e tínhamos a polícia de choque à espera. Tinham tirado os sofás e não nos deixavam conversar. Foi então que percebi que o mundo não era um conto de fadas, e que não havia liberdade. Lia Marx e Trotsky, os meus amigos eram maoistas. Eu sempre fui mais trotskista...
Acreditava no que lia?
Achava que o Trotsky era uma figura muito romântica. E ainda hoje acredito que as pessoas nascem iguais, com direitos iguais. Não tem nada a ver com esquerda ou direita, tem a ver com humanidade. Fui das primeiras pessoas em Portugal a ir à Rússia com autorização da ditadura e vim de lá completamente revoltada porque vi que afinal o país de Karl Marx era onde havia maior repressão, desigualdades, falta de informação.
Foi hospedeira da TAP. Foi o seu primeiro trabalho?
Sim. Era um sonho que tinha, para poder viajar. Adorava o glamour da profissão. As meninas da Iberia, por exemplo, eram todas filhas de aristocratas. Na TAP só entravam meninas bonitas, bem formadas e educadas. Foi assim que lá fui parar. E com uma grande cunha do engenheiro Vaz Pinto, que era o presidente da companhia. A minha vida passou a ser uma festa. Jantava em Milão, fazia compras em Paris...
Até casar. Não lhe custou deixar a profissão para se dedicar ao casamento?
Custou-me horrores. Era uma mulher muito independente. Os meus irmãos receberam de presente um MG descapotável, mas eu fiz questão de comprar o meu primeiro carro, um mini, com o meu próprio dinheiro. Quando conheci o meu marido, no casamento de uma amiga, ele fez-me uma operação de charme radical. Era um homem sofisticado, mandava fazer camisas em Milão e conhecia o mundo inteiro. Prometeu-me que, se eu largasse o emprego, me levava a tomar o pequeno-almoço a Istambul, se eu acordasse virada para isso.
Estava apaixonada?
Sim, e sabes que a paixão é um processo biológico que nos leva a fazer coisas impensáveis. Depois percebi que ele não tinha nada a ver comigo. Eu adorava as artes, ia para Nova Iorque, para a Broadway ver musicais, e ele detestava. Lembro- -me de ter conseguido bilhetes para a estreia de uma peça com o Kirk Douglas. Eu ali fascinada e quando olho para o lado estava o meu ex-marido a dormir. Ao fim de 17 anos separei-me.
Li que frequentou o Festival de Cannes durante 17 anos.
Conheci imensa gente, tu é que provavelmente não sabes quem são, a Romy Schneider, o Omar Sharif... Dizia-lhes "hello, I''m your fan". Um dia encontrei o Polanski no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Eu tinha acabado de ver o "Rosemarys Baby", e ainda por cima era muito parecida com a mulher dele, que era a Sharon Tate, que depois foi assassinada. Ele estava sentado nas minhas costas, tinha eu 23 ou 24 anos. Virei-me e disse-lhe olá. Ele, ao ver uma loira toda gira e muito lolita, que sabia os filmes todos dele, ficou passado e convidou-me para dançar. Mas o meu marido não deixou: "Não vais dançar com esse pervertido." Mas alguém dá uma tampa ao Polanski? Eu dei, mas quando cheguei à casa de banho ele estava à minha espera e pregou-me um beijo na boca. "At least I kissed you."
Deixou de trabalhar quando casou?
O meu ex-marido não me deixava trabalhar. Dava-me uma mesada para sustentar a casa: tinha uma cozinheira, três empregadas, dois jardineiros e uma ama. No fundo, não trabalhar é uma forma de dizer, eu era uma governanta de luxo, era como gerir um pequeno hotel. E tinha a educação dos meus filhos, que foi o melhor trabalho que fiz. Tinha perfeita noção das desigualdades sociais da época, mas nunca o passei para os meus filhos. Muito menos para os netos.
Não acha que isso é uma forma de mascarar a realidade?
Não sei se será muito bom pensar na pobreza. Nunca fui à Índia por causa disso. O máximo que fiz foi ir às ilhas Maurícias, mas isso é outra coisa. Quando era miúda acreditava que podia mudar o mundo. Agora acho que mudamos apenas o nosso e com muito sacrifício.
Sendo essa mulher tão independente, não a incomodava o facto de viver às custas de alguém?
Foi por isso que me separei. O meu ex- -marido passava os dias a dizer-me: "Diz lá, quanto é que precisas, diz um número." Mas eu não tenho preço. As pessoas dizem que o dinheiro não traz felicidade, mas quem o diz nunca teve dinheiro na vida, sabem lá se dá ou não. Eu posso dizer que não dá felicidade, mesmo tendo tido uma mesada e um cartão de crédito em que podia gastar o que quisesse. Ia para a Sardenha porque era o sítio mais bonito do mundo, passava o Réveillon no Palace Hotel Saint Maurice, gente fantástica, jóias deslumbrantes, peles extraordinárias, tudo.
Pelo que conta, o seu marido era uma carta fora do baralho.
Ele fazia o frete, tinha o pelouro da cultura, eu o das finanças. Às vezes lá dizia "coitadinhas das crianças, porque estão a estudar em inglês?" "Não te preocupes, essa não é a tua área. Passa o cheque e deixa o resto comigo." Eu tinha de ter um pelouro, não é? Se chegávamos a Paris, eu ia levar os miúdos ao Louvre e ele ia para um restaurante três estrelas Michelin, comia, comia, comia. Mas eu não podia comer pato ao almoço e faisão com uvas e champanhe ao jantar. Tenho tendência para engordar, depois tinha de ir para o ballet ou para a sauna para abater essas calorias.
Sempre se preocupou com o aspecto?
Sempre. Por mim, por mais ninguém, porque o meu ex-marido sempre me achou linda de morrer. E isso era uma coisa simpática que ele tinha.
Quando se divorciou o seu marido fechou-lhe a torneira?
Completamente. Fiquei com a conta a zeros, mas aí fui trabalhar. De um dia para o outro estava com a minha filha de 12 anos e sem um tostão. Nunca tinha vivido num apartamento e pensei que aquilo era uma situação provisória. Uma amiga fazia pulôveres artesanais e decidiu abrir uma loja em Paris, eu fiquei a tomar conta da loja portuguesa. Dava- -me com gente da alta sociedade, vendia-lhes roupa e ganhava imenso dinheiro.
Mas passou dificuldades?
Muitas. Tive de aprender a cozinhar aos 37 anos. Comprei um livro e comecei a fazer soufflés. Não queria que a minha filha percebesse que estávamos em dificuldades, por isso fazia coisas com estilo, mas baratas. Aspirava durante o dia para ela não me ver a fazer limpezas. Um dos meus amigos, o dono do Vangôgo, dizia: "Lili, não sei como te aguentas. Se isso me acontecesse, eu dava um tiro na cabeça."
Foi nessa altura que começou a aparecer nas festas como Lili Caneças?
Sim, já não havia a paranóia de o meu marido não me deixar aparecer nas fotografias. Não tinha dinheiro mas continuava bonita e só vestia alta-costura. O Carlos Castro, que era colunista da "Nova Gente", via em mim uma mulher com muito potencial: tinha amigos com Rolls Royce, conhecia gente importante, sabia mexer-me bem nesses meios.
Nunca sentiu que podia estar a ser usada?
Senti. Na maior parte das vezes, usada, abusada e deitada fora.
Mas porque queria aparecer então?
Eu não queria, nunca fui eu que quis aparecer. Eles perguntavam-me se eu me importava de ser fotografada. Entretanto as pessoas começaram a interessar-se pela minha vida, de certa forma era a história oposta à da Cinderela, a mulher que teve tudo e ficou sem nada. Ninguém compreendeu como é que eu era feliz tendo abdicado de tudo. Fui aparecendo cada vez mais, depois de ter acabado aquela vida fantástica o que me restava era ir às festas do Abel Dias e do Carlos Castro. Era melhor que nada.
Ganhava dinheiro para aparecer?
Não, nunca. O que fazia era aparecer, estar com pessoas bem vestidas.
Gosta de se ver nas revistas?
Normalmente não gosto. Mas nessa época eles queriam-me por eu ser bonita, porque me vestia bem, era simpática, falava seis línguas. Como já não podia ir ao Carnegie Hall, em Nova Iorque, ver o Frank Sinatra, via aqui o Tony Bennett.
Então também tirou partido da situação.
Claro que tirei. Então, imagina, se deixei de poder viajar e fazer coisas lá fora, tinha de aceitar esses convites. Senão ficava em casa a ver televisão.
A fama exerce algum fascínio sobre si?
Não, de forma alguma.
Mas ganha alguma coisa por ser conhecida?
Não. Sou vestida por uma loja, para a hora que apareço na televisão.
Fica com as roupas ou tem de devolver?
Claro que tenho de devolver. Agora vou lá devolver o vestido que usei esta manhã. Por isso é que estava cheia de medo de o estragar nas fotografias.
Nunca estragou nenhum?
Então aquele que ardeu no outro dia?
Teve de o pagar?
Não paguei porque o caso ainda está a ser avaliado pela companhia de seguros. O vestido custava 3900 euros.
Teve mais medo ou vergonha?
Tive muito medo. O vestido tinha sete saias de tule e quando vi uma labareda pensei "pronto vou morrer, vou ter dores horrorosas". Tive uma tia que morreu assim, queimada, porque ninguém conseguiu apagar o fogo do vestido. Seja como for, eu pago sempre, nem que seja com publicidade. Agora pagarem-me para ir a uma festa, isso nunca. Mas sou das poucas pessoas que não o fazem.
Pois, é o que se chama fazer presenças.
Exacto. Ainda há dias o José Castelo Branco me disse que cobrava 2500 sem cantar e 4 mil se cantar. Por 500 euros toda a gente faz. Mas o meu pai não me educou assim. Vou se me apetece. Com o Carlos Castro, ele pedia-me para ir a abertura de festas impensáveis, em lugares que nem vêm no mapa, porque sabia que a discoteca enchia se eu estivesse. Indo eu, vai a "Caras", a televisão. E francamente não me importo de fazer isso.
Nunca se cansa deste meio?
Já ultrapassei o ponto de retorno. Claro que os meus amigos não são estes que aparecem nas fotografias.
Nesse meio parece que todos destilam ódio entre si com um sorriso nos lábios. Li coisas que o Cláudio Ramos escreveu sobre si e...
Sobre ele prefiro nem falar, por isso faz-me outra pergunta. Não posso falar sobre ele porque não o conheço. No meio social não há amigos, apenas conhecidos. E quem acha que tem amigos, é esperar para ver quando ficarem sem dinheiro.
Há muita inveja?
Acho que sempre fui invejada.
E inveja alguém?
[pausa] As mulheres que não engordam.
Não teme ser vista como uma mulher fútil?
Para isso tenho sempre uma na manga, que é uma frase da Simone de Beauvoir: só as pessoas fúteis acham que ser fútil é uma futilidade. [Repete a frase e aproxima a boca do gravador.]
Eu não disse que a Lili era fútil...
A futilidade faz parte da vida, dantes havia playboys agora há intelectuais de esquerda. Esse lado da roupa, da estética, é importante. Vejo que tens uma camisola lilás, uns sapatos de camurça, uns jeans, não estás mal. Achas que tomar um copo bem vestido é uma futilidade?
[Risos] Quantas plásticas já fez?
Não fiz plásticas. Fiz um peeling, uma blefaroplastia aos olhos e dei um jeito ao pescoço para puxar a pele.
Não convive bem com o seu corpo?
É como arranjar os dentes. Se estão podres, é inestético. Tens de os arranjar.
Não me estava a referir aos dentes.
Sim, mas para mim é a mesma coisa que não tratar dos dentes. Uma vez tive uma empregada sem dentes e mandei-a pôr uma prótese.
É amiga do José Castelo Branco?
Quase posso dizer que o pari [risos].
Que opinião tem dele?
O Zé assusta-me porque a evolução dele tem sido... ele tem conseguido tudo o que se propôs realizar na vida. Tudo de forma muito rápida.
Mas isso foi conquistado à custa de uma certa degradação da imagem, da exposição gratuita. Não concorda?
Eu só me preocupo na medida em que contribuí para isso, pela forma como lhe abri as portas. Quando o Carlos Castro morreu tentei perceber o que levava as pessoas a fazerem tudo pela fama, a conhecerem-se na net, a esquartejar alguém só porque querem ser conhecidas.
Mas o Carlos deixou-se levar.
Pois, eu disse-lhe "vê-te ao espelho, achas que és um Brad Pitt? Tu não és bom da cabeça, isso é perigoso". Mas ele só dizia que o rapaz estava apaixonado por ele.
Lida bem com a crítica?
Muito bem.
O que achava do seu boneco do Contra-Informação?
Achei um pavor e fui a única pessoa a telefonar para lá a dizer que tinha detestado o boneco. E disse para a Mafalda Mendes de Almeida que se os textos correspondessem à imagem, eu, que nunca pisei um tribunal (excepto no divórcio), ia pôr o maior processo que Portugal já viu. Depois, quando vi, percebi que eles faziam humor com inteligência, mas acho que ultrapassaram alguns limites.
Como acha que vai ser recordada daqui a muitos anos?
Acho que a juventude gosta muito de mim, quem não gosta são as tias de Cascais, que entram em competição comigo, as que continuam a viver com homens ricos porque não se conseguem sustentar. Acho que vou ser recordada como uma pessoa que estava de bem com a vida, uma contadora de histórias, e que abriu as portas a muita gente.
Obrigado, Lili, foi um prazer.
Obrigada eu. Não se esqueça de pagar o meu sumo.