ANÍBAL TAVARES: HÁ PEDÓFILOS A TRABALHAR NA PROVEDORIA DA CASA PIA
Aníbal Tavares, educador, foi suspenso de funções na passada sexta-feira, por ordem da provedora Catalina Pestana. Não sabe do que é acusado, mas assegura que está a ser perseguido por um grupo de funcionários que não lhe perdoam o facto de, “desde o início”, estar a ajudar Pedro Namora e Adelino Granja na luta contra a pedofilia.
05 Maio 2003
Por:Octávio Lopes
Correio da Manhã - Como é que está a sua situação na Casa Pia?
Aníbal Tavares - Soube na passada sexta-feira que estava suspenso de funções.
- Porquê?
- Não sei. Quem me disse que estava suspenso foi a directora do Colégio Nuno Álvares Pereira, Isabel Soares Ferreira. Isto aconteceu de manhã. À tarde, o segurança do colégio barrou-me a entrada, referindo que tinha recebido uma ordem oral da directora.
- Antes de ser suspenso, foi alvo de algum inquérito disciplinar?
- Em meados de Março, um inspector do Ministério da Segurança Social informou-me que me tinha sido instaurado um processo disciplinar por ordem da provedora, devido a afirmações graves graves que tinham sido feitas por “outros”. Não me disse do que se tratava. Penso, no entanto, que o que me sucedeu faz parte de uma estratégia que visa calar quem está disposto a denunciar o que se passou na Casa Pia. Estou a ser perseguido. Injustamente, dado que a minha vida é a Casa Pia e tudo fiz para prestigiar a instituição. Estive, por exemplo, 13 anos sem férias. Reconheço, no entanto, que uma ou outra vez dei algumas bofetadas nas crianças.
- Fez algumas denúncias?
- Fiz. Uma delas foi contra o funcionário Sanches. Esse senhor molestou quatro crianças - entre os 7 e os 11 anos - que me estavam confiadas no Lar António Bernardo. O que os miúdos me contaram, confirmaram posteriormente à Polícia Judiciária, dias depois de Carlos Silvino ter sido detido.
- A quem fez essa denúncia?
- À provedora da Casa Pia.
- Como é que Catalina Pestana reagiu?
- Não muito bem. Foi muito áspera e pediu-me para escrever tudo o que eu sabia do Sanches. Foi o que fiz.
- ...
- Dois anos antes de Carlos Silvino ser detido já eu tinha denunciado o Sanches. Cheguei a apanhá-lo com dois menores no seu gabinete, com a porta semi-fechada. Na altura, não contei a ninguém, mas fui falar com ele e avisei-o que não o queria perto das minhas crianças.
- Como é que Sanches reagiu?
- Começou a espalhar que eu estava contra os homossexuais. A partir daí, com a ajuda da responsável do internato do colégio Nuno Álvares, Isaura Cerqueira, a minha vida passou a ser um inferno. Comecei a ser perseguido por ela. Há muito tempo que tenta prejudicar-me. Já chegou ao ponto de tentar que os meus educandos façam acusações contra mim.
- Sanches acabou por ser suspenso pela provedora?
- Isso só aconteceu quando três dos alunos mais velhos do Lar António Bernardo foram falar com a drª. Catalina Pestana e lhe perguntaram porque é que ele não era suspenso.
- E em relação a Isaura Cerqueira?
- Chegou a haver reuniões dos educadores do internato onde foram denunciados casos de abusos de poder e má-criação por parte dessa senhora. Várias vezes informámos, por escrito, a directora do Colégio Nuno Álvares, Isabel Soares Ferreira, do que se estava a passar. Ela, de uma forma serena, tentou acalmar a situação. Só que isso não resultou.
- Para fazer o que faz, Isaura Cerqueira...
-... está muito bem protegida por um grupo que não quer que a Casa Pia mude.
- Quem faz parte desse grupo?
- Sanches, a senhora Vitoriana, chefe da secretaria - chegou a dizer-me, pessoalmente, que odiava todos os casapianos - e Magalhães, entre outras pessoas. Posso dizer, aliás, que há pedófilos a trabalhar na Provedoria. Todos eles estão mais preocupados em defenderem-se uns aos outros do que proteger as crianças. Foi o que sucedeu quando, há dois anos, denunciei o Sanches.
- Quem são esses pedófilos que estão na provedoria?
- Se for preciso, estou disposto a revelar o que sei às autoridades. Já fui uma vez ao DIAP, mas apenas relatei o que sabia do Sanches. Posso acrescentar, aliás, que conheço pessoas que foram molestadas por um desses funcionários da Provedoria.
- O que está a relatar é do conhecimento de mais pessoas?
- Em relação à minha suspensão, contei ao meu sindicato. O advogado achou que o que me estão a fazer é ilegal. Sobre o que se passa na Casa Pia já falei com Pedro Namora e Adelino Granja. Tenho estado com eles desde o início da caminhada dolorosa contra a pedofilia.
- Falou num grupo organizado...
-... há mais do que um grupo. E são facilmente identificáveis. Têm interesses instalados na Casa Pia.
- Que tipo de interesses?
- Não querem perder o poder que têm.
- Referiu que uma das pessoas de um desses grupo chama-se [António] Magalhães...
-... há muito tempo que entram pessoas para a Casa Pia, cujo ponto de referência é esse senhor.
- Que faz Magalhães na Casa Pia?
- Actualmente, é assessor da Provedoria. Foi educador e era o braço direito do dr. José Pires, ex-director do Colégio Maria Pia, que também é assessor da drª Catalina Pestana.
- Qual é a ligação entre Isaura Cerqueira, Sanches, José Pires, Vitoriana e Magalhães?
- São muito amigos.
- Há mais educadores na sua situação?
- Conheço mais pessoas que estão a ser visadas pelo grupo de Magalhães e Isaura Cerqueira. Estão, como eu, a sofrer represálias, por terem tentado lutar contra o que está mal na Casa Pia. Peço, por isso, a todos os meus irmãos casapianos que façam como eu - dêem a cara. Envolvam-se, apareçam e ajudem quem não pode entrar em batalhas jurídicas dispendiosas. Obrigado ‘Joel’ [o aluno que deu origem ao escândalo de pedofilia na Casa Pia] por me teres dado coragem.
PERFIL
Nome - Aníbal Fernando Tavares.
Local e data do nascimento - São Vicente (Cabo Verde), em 28/10/1963.
Entrada na Casa Pia - Em Outubro de 1973.
Percurso - Aluno do regime semi-interno e interno entre 1973 e 1986. Fequentou o ensino preparatório na Escola Francisco Arruda e o secundário na Escola Marques de Pombal, onde concluiu o curso complementar de electricidade.
Início de funções - Em 1986 foi admitido como preceptor.
Função actual - Ténico principal//educador em regime de internato, no Lar António Bernardo, do Colégio Nuno Álvares Pereira.
NAMORA E GRANJA CHOCADOS
Pedro Namora e Adelino Granja ficaram chocados com a suspensão do educador Aníbal Tavares, ordenada por Catalina Pestana, na passada sexta-feira.
Os antigos casapianos não escondem mesmo que poderão estar perante um caso de perseguição, por parte de alguns “poderosos funcionários” da Casa Pia de Lisboa. “Isso pode muito bem estar a suceder, dado que Aníbal Duarte desde o início do escândalo da pedofilia que nos tem estado a ajudar”, diz Adelino Granja, frisando que Sanches, por exemplo, foi uma das pessoas referenciadas. “E Sanches acabou mais tarde por ser suspenso”.
Já Pedro Namora lamenta que Aníbal Tavares não tenha sido informado das razões que levaram Catalina Pestana a impedi-lo de trabalhar no lar António Bernardo. “Em primeiro lugar, devo dizer que ninguém está acima de qualquer suspeita. Espero, no entanto, que todas as pessoas, nomeadamente os funcionários da instituição, tenham asseguradas as suas garantias de defesa. Se Aníbal Tavares foi suspenso sem que lhe tenha sido entregue a nota de culpa, acho isso lamentável”, referiu Pedro Namora.