Conheceu Carlos Castro pouco depois de chegar a Portugal, em 1975. O primeiro homem a assumir publicamente a sua homossexualidade foi também um dos melhores amigos do cronista assassinado há uma semana. Em entrevista ao i, Guilherme de Melo recorda os anos de amizade com Carlos Castro e a última vez que estiveram juntos. Foi na noite de Natal, altura em que o amigo lhe confidenciou a paixão que estava a viver com Renato Seabra. À saída de casa, três anos depois de ter sofrido um AVC, e prestes a completar 80 anos, abraçou-se ao amigo e disse-lhe entre lágrimas: "Este é o último Natal que passamos juntos". Tinha razão: Carlos Castro morreu dias depois.
Como soube da morte do seu amigo?
Eram sete da manhã de sábado. O meu telefone não parava de tocar, coisa estranha àquela hora da madrugada. Levantei-me e atendi. Era a dona Fátima, a senhora do snack-bar aqui ao pé de casa, que costumo frequentar. Disse-me que sabia que eu tinha passado o Natal na casa do Carlos Castro e perguntou-me se tinha corrido bem. Aquela conversa fez-me confusão, sobretudo pela hora. Perguntei-lhe directamente o que se estava a passar e foi quando ela me disse que tinha uma notícia trágica para me dar. "Acabei de ouvir agora mesmo que o seu amigo foi assassinado." Não sei como não me deu uma coisa.
Sabia que eles iam juntos para Nova Iorque?
Sim, eles iam embarcar daí a cinco dias. Éramos muito amigos, passo o Natal na casa dele desde que a minha irmã morreu, há três anos. O Carlos fazia isso com todos os amigos próximos que estavam sozinhos. Nessa noite falou-me imenso do Renato, estava muito bem-disposto. Desde Outubro que ele andava numa euforia muito grande e eu até esperava conhecê-lo nessa noite, mas ele tinha ido passar o Natal com a família, em Cantanhede.
O que lhe contou?
Dizia-me que tinha encontrado o companheiro para o resto da vida. A expressão que ele usou foi: "Encontrei a minha alma gémea, como dizem os brasileiros, a metade da laranja".
Alguma vez o ouviu falar assim?
Não. Pareceu-me diferente. O Carlos teve uma grande paixão na vida, um companheiro com quem viveu 15 anos. Mas nunca se apaixonou por rapazes que fossem genuinamente homossexuais. Nas suas paixões tinha de haver sempre uma componente muito máscula e viril, um toque de heterossexualidade, caso contrário desinteressava-se. Já me chegaram a perguntar se fomos amantes. Nós? (risos) Tive imensas aventuras, mas com ele era impossível. Éramos os dois verdadeiramente homossexuais, quando alguém insinuava qualquer coisa desse género, costumávamos dizer: "Lésbicas não somos, somos gays".
Ou seja, o Renato não era homossexual.
Ele era a tal componente heterossexual, e este caso não foi diferente de outros que o Carlos teve: sabia que o Renato tinha namorada mas ignorava isso. Achava que o facto de ter uma mulher era uma forma de atirar poeira para os olhos. Queria muito que ele fosse homossexual. O Carlos era uma pessoa complicada.
Acha que ele estava ciente da sua orientação sexual?
Ele sabia que o rapaz não era homossexual e que nunca tinha tido uma experiência do género. Tinha a certeza disso. Sem ser muito efeminado, em termos sexuais o Carlos era uma mulher. O rapaz, sendo heterossexual, jogou com ele. Era o homem, o elemento activo, e isso não afectaria a sua masculinidade. Eu sempre lhe disse que aquilo não tinha pernas para andar e que o melhor era aproveitar enquanto durasse. Mas isso não lhe chegava.
"O rapaz passa a vida a dizer que me adora, acho que isto é para o resto da vida", dizia-me ele.
"Tens de o conhecer." E fartava-se de receber mensagens dele.
Leu alguma?
Sim, ele mostrou-me algumas na noite de Natal:
"Já tomaste o teu leitinho? Reparei agora nas horas, mediste a tensão? Sei que estou a ser chato, mas sabes que te adoro". E o Carlos acreditava em tudo isso. Quando está apaixonado, deixa-se deslumbrar. Mas eu achava que a única coisa que ele via no Carlos era a oportunidade, o protagonismo, a carreira, alguém que lhe podia abrir as portas.
Avisou-o disso?
Não foi a primeira vez que isto aconteceu. O Carlos ajudou muita gente ligada à moda, muitos destes manequins famosos começaram pela mão dele. Mas, neste caso, entrou a paixão. Ao contrário do que as pessoas pensam, ele não era de se apaixonar facilmente, nem promíscuo. Não era o tipo de pessoa que conhece alguém e que vai imediatamente para a cama. Era um sonhador, um fantasista. E quando se apaixonava vivia obcecado. Era de uma fidelidade e entrega totais. Eu sempre vivi a minha homossexualidade de forma aberta, tive um companheiro durante 28 anos, mas gostava muito de ter as minhas aventuras. Nunca misturei sentimentos de amor com putice. O Carlos não, quando estava apaixonado vivia só para aquela pessoa. Mas era extremamente possessivo quando amava. E muito ciumento.
Dá a sensação de que este romance tem uma componente psicológica muito forte.
O facto de o Carlos ser muito ciumento fazia com que se descontrolasse. Ele criava fantasias: quando percebia que a paixão não era correspondida, entrava em depressão, pensava em suicídio. Era uma pessoa de extremos. Houve uma violência psicológica muito forte de ambos.
Mas daí a haver um crime destes vai um passo de gigante.
Acho que o rapaz usou o corpo que tinha, a virilidade e, sobretudo, o que tinha entre as pernas. Quando o Carlos o viu trocar contactos com umas raparigas no hall do hotel, fez uma cena de ciúmes enorme. Por outro lado, o rapaz, que tinha sido acólito em Cantanhede, tinha a cabeça cheia de preconceitos. A discussão que tiveram no restaurante - que levou alguns clientes a queixarem-se à gerência - fez com que o Renato caísse em si: passou a ver no Carlos o objecto do seu ódio, daí a tortura a que o submeteu, para o livrar dos "demónios". Acho que foi nessa altura que percebeu que se tinha envolvido, e que não havia forma de voltar atrás.
O Carlos sempre se envolveu com pessoas mais novas. Porquê?
Um dos factores mais importantes para ele era a beleza. E, meu querido amigo, só se é belo e deslumbrante entre os 20 e os 30 anos. A partir daí, temos de começar a defender-nos. O Carlos nunca foi de se ligar a adolescentes... Não. As grandes paixões dele foram todas entre os 20 e os 25 anos. Daí para frente...
Desinteressava-se?
Sim... quer dizer, não se desinteressava. É que nem sequer se interessava. Ele teve uma ligação grande com um rapaz, durante 15 anos. Quando o conheceu, ele tinha 23 anos, tinha acabado de sair da Marinha, era fuzileiro e um excelente fotógrafo. O Carlos nessa altura tinha uma página semanal sobre espectáculos no Correio da Manhã e o rapaz, que tinha muita apetência para a fotografia artística, procurou-o. Ligou-lhe e contou que tinha saído da tropa, que era fotógrafo e gostava muito de conversar com ele porque sabia que tinha uma página no CM. Combinaram um encontro, foram almoçar e dá-se o clic. O Carlos teve uma paixão assolapada por ele e seis meses depois, já com o rapaz a trabalhar no CM, estavam metidos na cama. Era heterossexual, mas encarou aquilo com a maior das naturalidades.
O Carlos sabia disso?
Chegou a desconfiar que ele andava com mulheres e fazia imensas cenas de ciúme. Estiveram juntos durante 15 anos, até o rapaz se apaixonar por uma mulher e decidir casar com ela. O Carlos engoliu e ainda foi padrinho de baptismo da filha deles. E a rapariga de olhinhos tapados. Porque a gente só vê aquilo que quer ver. Esta é a verdade. O Carlos ia com ele para Nova Iorque, ia com ele quando era a eleição da Miss Universo e continuavam a trabalhar juntos. Mas, pronto, para todos os efeitos iam só em serviço. Era o que o Luís dizia. Mas ele andava a fazer uma vida dupla. E é claro que todos nós sabíamos.
Como foi o desfecho da história?
Houve alguém que disse à rapariga:
"Olha lá, tu andas a dormir na forma." "Ai, não - dizia ela -
eles não têm nada entre eles. São só amigos. O Carlos é como um pai para o Luís." Mas os avisos continuavam a chegar e ela continuava a negar até ao dia em que alguém lhe disse:
"Olha que se eles não são amantes, toda a gente pensa que são". Foi então que a rapariga o pôs entre a espada e a parede e fez um ultimato ao marido. O Luís cortou então com o Carlos, saiu do jornalismo, deixou tudo e foi-se embora.
E o Carlos, como ficou no meio disso tudo?
Aquilo foi muito mau para ele. Tentou suicidar-se. Entrou numa depressão terrível. Foi muito dado às depressões, além de ser extremamente hipocondríaco. Era capaz de me telefonar às três da manhã assustado com qualquer coisa que sentia na cabeça ou porque tinha a tensão muito alta.
"Não é melhor virem buscar-me?" E eu dizia:
"Ó homem, tem calma". Mas ele começava logo a pensar que ia morrer. Tinha sempre a mania da morte. Quando se mudou das Amoreiras, onde tinha um apartamento há uma data de anos, e foi para o 22º andar das Twin Towers deu uma festinha. Nessa altura, disse-lhe :
"Eu não morava aqui, tão alto, com os aviões mesmo aqui ao pé. Que mania que tu tens das alturas, já nas Amoreiras vivias no último andar." E ele respondeu:
"Assim é melhor. Quando eu me decidir, é só abrir a janela e atirar-me."Ele tinha a mania do suicídio.
Alguma vez tentou suicidar-se?
Ele tinha uma obsessão pela morte. Sobretudo quando ficava destroçado por causa de um amor. Numa altura, tomou uma série de comprimidos e só não morreu porque a Rute Bryden, um travesti muito conhecido que morreu com SIDA, o levou ao hospital.
Pelo que diz, o Carlos parecia ser uma pessoa muito instável emocionalmente, alguém que se deixa à mercê dos amores, para o bem e para o mal.
Isso aconteceu neste romance com o Renato. Não adiantava pedir-lhe calma. Quando acabou a gala dos travestis, no passado dia 1 de Dezembro, no São Luís, o público chamou por ele, que decidiu fazer ali uma declaração: "
Esta foi a gala mais feliz da minha vida, porque estou a passar um momento único. Encontrei finalmente a minha alma gémea, o meu companheiro para a vida inteira". Eu só lhe disse:
"Tu crias um mundo imaginário à tua volta e depois eu sei como é o fim disto tudo, entras em depressão, queres morrer e fazes a nossa vida um inferno". Mas ele não ligou, dizia que desta vez não ia ser assim, porque o Renato o adorava. E eu virei-me para o Cláudio Montez e ambos encolhemos os ombros.
Nestas alturas, ele nunca lhe dava ouvidos?
Não porque ele adorava aquilo. Segundo o Cláudio Montez, que nos últimos tempos andava como ele de carro para todo o lado, o Carlos, de vez em quando, gritava:
"Ai, uma mensagem. Uma mensagem do Renato!" E ficava maluco. O certo é que o rapaz foi alimentado a fantasia dele, bolas!
Por seu lado, o Carlos lá o ia mimando com presentes.
O Carlos adorava passar fins-de-semana em Madrid. Uma vez foram os três, o Cláudio Montez, ele e o Renato. Chegaram, foram para um hotel. O Cláudio ficou no seu quarto e eles num quarto de casal. Estava frio e o Carlos disse logo que o Renato precisava de um bom sobretudo. Correram umas quantas lojas, mas o menino não gostava de nada do que ia vendo. O Montez ficou com uma impressão do rapaz... era um sobretudo que não lhe assentava bem, era outro que não ficava bem. O rapaz era muito vaidoso. Isso o Cláudio percebeu. Tinha o culto do corpo. Andaram pelas lojas até que por fim compraram um sobretudo de 200 euros, mas o Carlos estava sempre a dar-lhe roupas.
A família do Renato sabia desta amizade?
A mãe do Renato chegou a enviar duas ou três mensagens pelo Natal, a desejar-lhe boas festas e a agradecer tudo o que ele andava a fazer pelo filho. Que estava muito grata. E o Carlos disse que gostava muito do filho. A senhora certamente devia achar que, sendo o Carlos uma pessoa conhecida, iria ajudar a lançar o seu filho, mas o Renato fez um jogo duplo: uma coisa era o que ele dizia à família e aos amigos; a outra era como ele alimentava a fantasia do Carlos. Mas quando caiu a ficha - aí está a palavra certa - foi a explosão que se passou dentro dele próprio. Quando ele diz
"Já não sou mais gay", essa frase mostra muita coisa. Conhecendo o Carlos como o conheci, deve ter andado a espicaçá-lo, a dizer que ele não gostava de raparigas e que era tão bicha quanto ele.
Voltando atrás. Como conheceu o Carlos?
Foi em 1975. Eu vim de Moçambique e ele de Angola, no rescaldo da descolonização. Cheguei no meio da minha carreira jornalística com 43 anos, entrei para o DN e recomecei a minha vida. O Carlos era um rapaz de 20 e poucos anos, que em Angola trabalhou no comércio ou qualquer coisa relacionada, mas que gostava de escrever. Chegou a escrever uns contos numa revista, ganhou um prémio num concurso de poesia. Mas quando chegou cá, comeu o pão que o diabo amassou. Veio em ponte aérea sozinho. A família veio depois noutro avião e foram conduzidos para algures no Norte do país. O Carlos ficou sem saber onde estava a família. Andou desesperado e até passou fome. Chegou a dormir algumas noites no vão de escadas de um prédio do Príncipe Real. Quem lhe deitou a mão foi Rute Bryden, o tal travesti.
Isso, numa altura em que o travestismo estava em explosão.
Sim, isso foi logo a seguir ao 25 de Abril. Não o travestismo de rua ou do engate, mas do espectáculo. Foi nessa altura que abriu o cabaret o Scarlaty, da Guida Scarlaty, a coqueluche daquela altura. Eram espectáculos deslumbrantes. Iam lá os capitães de Abril, era de bom tom. Não era o mundo gay que lá ia. Ia o mundo elegante ver o espectáculo dos travesti. A Guida e a Lídia Barloff eram as cabeças de cartaz. Nessa altura estava muito na berra na RTP a série dos Marretas com uma personagem deliciosa, a miss Piggy. A Rute Bryden tem a ideia de convidar o Carlos para fazer o papel de Miss Piggy, porque ele era pequenino. E prometeu:
"Vou arranjar-te um emprego". Como o Carlos gostava desse mundo do espectáculo, aceitou o desafio. Foi aí que o conheci, pela mão da Guida Scarlaty.
De que falaram?
Conversámos muito, e ele contou-me que o que gostava de fazer era entrar para um jornal. Gostava de escrever e precisava de ganhar dinheiro. E eu telefonei para a Maria Elvira Bento, uma jornalista que também tinha vindo de Angola, e perguntei:
"Você conhece um rapaz, o Carlos Castro? Vá lá ver ao cabaret, ele faz um número muito engraçado." E ela foi. Como trabalhava na Nova Gente e sabia que o Carlos era uma pessoa versada, que fazia já as fofocas sociais - o ídolo dele foi sempre a Vera Lagoa - acabou por lhe dar a mão. Estava com ideias de criar uma página de fofocas, sobre as festas, os vestidos.
"Você fazia?", perguntou-lhe ela. E ele, claro, disse que adorava - e criou essa página chamada Ziriguidum que fechava a revista. Era uma coisa de cusquice, que ele assinava como Daniela para se proteger das alfinetadas que dava. Durou uma data de anos. Quando acabou, o Carlos começou a ter muita saída.
Nessa altura, já sabia da orientação sexual do Carlos?
Claro, nós temos um... Uma linguagem secreta. Um homossexual detecta logo outro - até pode ser casado e ter filhos. A gente diz logo
"a mim não me enganas", há sempre um olhar, um gesto...
Ele nunca tentou seduzi-lo?
Nunca! Nunca tivemos interesse um no outro. Éramos duas lésbicas. Mas eu tive uma coisa que o Carlos nunca foi capaz: tive montes de amigos homossexuais, do jornal, de fora, que ainda hoje são meus amigos amigos, e outros que não são homossexuais. As pessoa interessavam-me por serem pessoas, não por serem homossexuais ou não. Já o Carlos era diferente, só tinha amigos homossexuais. Às vezes dizia-me: "
Mas o que é que conversas com eles?" Ora a gente não conversa só de bichices. O encanto da vida está na diversidade.
É habitual essa postura, viver muito fechado na homossexualidade?
Não só o Carlos. A maioria dos gays funcionam em gueto. Eu nunca o consegui. Tanto que não pertenço nem à Opus Gay nem à Ilga nem a nada disso. Conheço e apoio, mas não pertenço.
Mas empunhou muito a bandeira da causa gay.
Sim, sempre. Mesmo em Moçambique. E tive um companheiro lá com quem vivi sete anos e que apresentava a toda a gente como o meu companheiro. Toda a gente ficava assim surpreendida e eu dizia:
"Sim, sou homossexual, se quiser continuar a conviver comigo, óptimo, se não, paciência." Sou muito franco. E nunca fui achincalhado, humilhado, nunca tive nenhum amigo que se afastasse por eu ser homossexual. Isso é o meu orgulho.
A ponto de ser o primeiro homossexual a assumir-se no nosso país.
Toda a gente sabia que eu era homossexual, vivia abertamente. Quando cheguei cá, fui para o Diário de Notícias, com o Mário Zambujal a chefe de redacção. Ao fim de dois meses, no dia da eleição da miss Universo, estavam uns dez jornalistas na redacção a ver chegar as telefotos. E eu aproximo-me e digo
"Ah, estão todos muito animados!" E diz-me um colega:
"Olha, ainda bem que apareceste, Guilherme. Amanhã é a eleição da Miss Universo e estamos aqui a discutir com o Mário quem vai para a primeira página. O Mário quer pôr uma e nós achamos que a melhor é outra; tu tens pinta de gostar de gajas, decide lá." A gozar-me. E eu peguei nas fotos e disse: "
Ok, eu faço. Então, antes de mais, todos vocês sabem que eu sou homossexual - e não o escondo. Mas sabem qual é a diferença que há entre nós? É que eu sou capaz de dizer que é uma bonita rapariga e vocês não dizem é um bonito rapaz porque parece mal. A beleza não tem sexo."
E o Mário Zambujal...?
O Mário? O Mário levanta-se, vem direito a mim e diz-me:
"Tu podes ser um grande paneleiro, mas tens uns grandes tomates!" A partir daí nunca mais ninguém se meteu comigo. O meu companheiro ia buscar-me ao jornal, cumprimentávamo-nos com um beijo na boca, à frente de toda a gente. Eu e o Ilídio fomos o primeiro casal homossexual a ir à televisão.
Como o convenceram?
Em 1981 publiquei a minha autobiografia,
"A Sombra dos Dias". Um anos depois, o Joaquim Furtado contactou-me para ir a um debate sobre homossexualidade com um padre, um psicólogo e um psiquiatra e uma mãe de família, a Teresa Costa Macedo. Perguntei ao meu companheiro se queria ir e fomos. O Joaquim Furtado ficou louco.
E o dia seguinte, como foi? Deve ter tido um certo impacto na sua vida.
O impacto foi um prémio: um casal de namorados passa por nós junto a São Bento. Abordaram-nos e perguntaram se tínhamos estado na televisão na noite anterior. (pausa) Ela pediu para nos dar um beijo. Isto em 1982. (chora).
Os seus pais sempre aceitaram?
No dia em que lhes disse, ainda estávamos em Moçambique, eles responderam-me:
"Não nos estás a dar uma novidade. Continuas a ser nosso filho e, se a pessoa que escolheste é digna de ti, queremos conhecê-lo". No dia seguinte, estávamos todos a jantar em casa dos meus pais.
por André Rito, Publicado em 15 de Janeiro de 2011
http://www.ionline.pt/conteudo/98679-carlos-castro-sabia-que-o-renato-nao-era-homossexual