Hoje com 30 anos, Pedro Lemos cresceu com Ricardo Oliveira no mesmo lar da Casa Pia. À semelhança de todas as vítimas que durante décadas foram abusadas na instituição, com apenas sete anos já fazia parte do vasto leque de menores nas mãos de Carlos Silvino, que este seleccionava para passar a outros predadores de crianças.
Foi, à semelhança do amigo, abusado na colónia de férias da Casa Pia em Colares e mais tarde numa casa no Campo Grande. Além de alguns funcionários da instituição, denunciou Carlos Cruz e o embaixador Jorge Ritto.
Também manteve a mesma versão durante os 10 anos em que o processo correu nos tribunais. Vive no Algarve, sempre trabalhou ligado à restauração, mas há um ano ficou desempregado. Caiu na tentação do dinheiro fácil e deu entrevistas onde ilibou os arguidos. A mando de Carlos Tomás, com Ricardo e Ilídio perseguiu outras testemunhas (como Francisco Guerra) com o objectivo de as aliciar para também mudarem de versão.
Para dar a entrevista ao Carlos Tomás, o Ricardo diz que lhe foi prometido dinheiro para mentir. Foi assim?
Sim, o Carlos Tomás disse-me para livrar os arguidos e para dizer que era tudo mentira o que disse no processo. Disse-me para falar sobretudo do Carlos Cruz, que era tudo mentira, e que tinha sido ameaçado pelo procurador para o acusar. Depois, a entrevista fiz à minha maneira. Eu sabia o que ele queria e construí a minha mentira.
Quem é o procurador?
O João Aibéo [procurador no julgamento].
O que é que ele lhe disse para dizer em relação a João Aibéo?
Que eu tinha sido ameaçado por ele, se não dissesse o que ele queria. Isso é que foi tudo um jogo, foi tudo uma mentira. O que eu disse em tribunal é tudo verdade. Entretanto, ele disse que me pagava esse valor e eu estava apertado… A única coisa que eu falei, quando me perguntaram sobre quem tinha acusado na sala de audiências, disse que acusei todos mas não conhecia ninguém.
O Ricardo diz também que Carlos Tomás vos comprava com drogas.
É verdade, sim. Ele é que ia comprar a droga.
Que tipo de droga?
Branca, cocaína.
E o que aconteceu com Francisco Guerra?
Estivemos no trabalho dele. Levámos o telemóvel do Carlos Tomás para gravar e para ver se ele também dizia que era mentira. Mas ele disse que não e que já tinha feito as suas declarações no processo. Ele também não sabia que nós tínhamos o telefone escondido, não é? Mas o Tomás queria mesmo apanhar o Francisco para ver se o conseguia comprar, já que não tinha conseguido dar-lhe a volta.
Está desempregado há quanto tempo?
Há um ano. Estou mesmo na porcaria, vou ser sincero, vou ter que começar de baixo.
Tem família?
O problema é esse. Tenho dois filhos e não sei o que hei-de fazer mais à minha vida.
Qual foi o impacto dessa entrevista na sua vida?
Foi tão mau, tão mau, que nem dá para explicar. Recebi mensagens de pessoas, amigos de infância, que até me dá vontade de chorar. Olhe, eu já não me conheço desde que fiz isso.
Também assinou um documento a pedir para ser ouvido e repor a verdade?
Não assinei nada. Ele falou-me nisso e eu disse «para a semana eu passo cá», mas era treta. Nunca mais fui a Lisboa.
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