Monteiro de Barros
“Todos os bens da minha família foram nacionalizados”
Foram exactamente dois minutos que Patrick Monteiro de Barros teve para fugir após a Revolução de Abril.
Patrick Monteiro de Barros começou a trabalhar cedo, apesar de ser de famílias abastadas. Do pai, que perdeu aos dezanove anos, herdou o gosto pelas viagens e o sentido de justiça. Na mãe fala com carinho, mas alguma distância. A revolução do 25 de Abril levou-o a assentar arraiais nos EUA. A ligação a Manuel Bulhosa ao continente americano. Em jeito de balanço, no programa do Etv, "Conversas com Vida", o empresário considera-se um homem de sorte.
Como é o dia-a-dia do empresário Patrick Monteiro de Barros?
Relativamente simples. Levanto-me cedo. Quando estou aqui, em Cascais, tenho um escritório na minha residência, começo a trabalhar às oito e meia da manhã. Depois vou para Lisboa, para um almoço ou umas reuniões. Regresso por volta das cinco/seis horas. Faço uma sessão de ginástica e, pronto, está um dia feito.
Mesmo quando está aqui nunca deixa de estar atento aos negócios?
Trabalho todos os dias. Porque também tiro muitas horas durante o dia, sobretudo quando faço vela. É muito raro ter dois ou três dias completamente de férias.
Uma vida tão intensa não seria possível sem a ajuda da família...
Tenho sorte. Tenho uma mulher extraordinária. Acabei de celebrar 47 anos de casado e, realmente, é preciso ter uma família que ajude.
A família também foi o suporte quando optou por sair do país, durante a Revolução, mais concretamente, em 1975?
A palavra "opção" é generosa porque a verdade é que tive, exactamente, dois minutos de folga para conseguir fugir ao COPCON [Comando Operacional do Continente que tinha como líder Otelo Saraiva de Carvalho] que me vinha prender. O senhor Otelo Saraiva de Carvalho assinava mandados de captura, em branco, e mandava-os para o Partido Comunista. Foi o que se passou. Não tive opção.
Como recorda essa altura da sua vida, porque já se referiu a ela como um dos períodos mais difíceis?
Foi difícil porque, obviamente, fiquei sem posses nenhumas. Todos os bens da minha família foram nacionalizados. Tive, durante uns tempos, um emprego num banco em Paris, que pertencia ao senhor Manuel Bulhosa, com quem trabalhava, em Portugal, na Sonap. Mas não tinha grande futuro. Surgiu o desafio de ir para os Estados Unidos, trabalhar com uma ‘trading', chamada Philip Brothers. Foi aí que conheci Tom O'Malley, que era o meu patrão. Depois tornou-se um amigo e hoje somos sócios em vários negócios.
Se tivesse ficado em Portugal, a sua vida teria sido diferente?
Possivelmente, embora, já na Sonap, onde era administrador delegado, não escondo que me sentia um pouco apertado. Tinha vontade de fazer algo mais. Também não escondo que tinha uma grande desilusão com a situação política que se vivia na altura.
E, a partir daí, deu largas ao seu sonho. É nos Estados Unidos que se sente em casa. Comprou uma casa na Virgínia, que não é uma casa qualquer...
É uma casa que foi desenhada e construída pelo Presidente Jefferson. E o engraçado é que viemos a descobri que um antepassado meu, um Monteiro de Barros, tinha ido para os Estados Unidos, em 1828, aquando das guerras liberais, e casou o filho dele com a sobrinha do primeiro proprietário desta casa. É uma coincidência extraordinária.
Como é que descobriu?
Porque um dia aparece-me um senhor, que era o presidente da Sociedade Histórica da Virgínia, a dizer-me: "O senhor é Monteiro de Barros. É do reino português. Então, veja isto". Sabíamos que antepassados tinham ido para os Estados Unidos. O meu pai fez uma série de pesquisas. Estava perfeitamente identificado que tinham estado em Nove Iorque. Depois desaparecem. O meu pai dizia: "Mas como é possível, uma família com sete filhos...". Tal como eu, nos Estados Unidos, me chamo "de Barros", eles tinham mudado o nome para Monteiro e, por isso, não se encontravam. Há uma série de coincidências absolutamente extraordinárias. Por exemplo, esta casa foi posta à venda, no mercado, na véspera da minha chegada...
Estávamos em que ano?
Foi há trinta anos.
Porque considera que é a sua casa?
Porque, infelizmente, com a Revolução, perdi a minha casa de família, em Lisboa, e também perdi a herdade que tínhamos. As duas grandes amarras que tinha no país foram-se. Foi a primeira casa que comprei depois de uma certa recuperação económica. E tenho lá o meu cão.
Como é que se chama o seu cão?
Rocky.
É de que raça?
É três quartos Golden Retriever e o resto algo.
Nos últimos 30 anos, essa tem sido a casa onde passa mais tempo?
Não. Basicamente passo três meses do ano em Portugal, noventa dias nos Estados Unidos e noventa dias em Londres.
Milimétrico?
Não é milimétrico. É, mais ou menos, o que dá a conta. E, o resto, é andar à vela.
Perdeu o seu pai quando era muito novo?
Muito novo. Tinha dezanove anos.
Mas ficaram-lhe memórias bastante fortes.
Era um homem extraordinário.
O que é que recorda mais? Porque aos dezanove anos já era um homem...
Duas coisas. Quando nasci ele já tinha quarenta e cinco anos. Tal vez por isso pôde proporcionar-me uma educação extraordinária. Viajei imenso com ele. Às vezes, faltava às aulas, mas tinha um tutor. A segunda coisa que ele me ensinou - ou, pelo menos, era uma característica sua - era saber lidar com todas as pessoas. Do nível mais baixo ao mais alto. Uma vez, portei-me mal e chamei uns nomes muito feios a uma empregada, no Alentejo. Daquelas coisas de miúdo. Ele obrigou-me a pedir-lhe desculpa em frente do pessoal todo. E tinha toda a razão.
O seu pai viajava muito?
Viajava. Ia-se de navio e voltava-se de navio. Não era como hoje, que vou a Nova Iorque e regresso no dia seguinte.
Não conseguiria passar três meses em cada sítio....
Não, era outro ritmo. Mas era interessante porque as coisas faziam-se à mesma. Hoje temos uma capacidade de comunicação extraordinária. Posso gerir os meus negócios todos os dias. Posso estar na Patagónia, a bordo do meu barco, trabalho duas, três horas por dia. Tenho satélite. Praticamente, só vou ao escritório para encontrar pessoas.
Ao longo da vida, quais foram os outros homens que o marcaram?
Digo sempre que devo imenso a um homem chamado Manuel Bulhosa. Foi das pessoas que mais me marcou, profissionalmente.
Voltando à adolescência. Andou no colégio francês...
No Liceu Francês. A minha mãe era francesa e fiz toda a minha educação em francês: o ‘jardin d'enfant', a primária e o secundário. Depois fui estudar para a universidade, para Paris.
E da sua mãe que memórias mais o marcaram?
Tivemos sempre um relacionamento um pouco mais distante, porque viajava imenso. O social naquela altura era assim. Era francesa. Uma mulher linda, mas via-a menos do que uma mãe. Tinha uma ‘mademoiselle' - como se chamavam naquela época -, uma senhora francesa, encantadora, que cuidava de mim.
Alda Martins
07/08/11 06:25
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