Saturday, 7 January 2012

RENATO EM RIKERS ISLAND

O inferno de Renato Seabra

Na prisão, cada vez mais violenta, o modelo acusado de ter matado, faz hoje um ano, o cronista social Carlos Castro, destaca-se pelo silêncio.

Ricardo Lourenço correspondente nos EUA (www.expresso.pt)


23:00 Sexta feira, 6 de janeiro de 2012

Rikers Island, ilha-prisão entre Bronx e Queens, é conhecida como a 'Casa da Dor'. E 2011 foi "um ano brutal", dizem os guardas


Todd Heisler/NYT

O escritório do detetive privado David Perry é o típico cubículo de Manhattan onde nem sequer há espaço para duas cadeiras. Sobre a secretária existem pilhas de dossiês referentes a casos de adultério que ele investiga desde finais de maio, quando deixou de trabalhar em Rikers Island, uma ilha-prisão situada entre Bronx e Queens, com vista para o aeroporto La Guardia e a cerca de vinte minutos da Baixa da cidade de Nova Iorque.

Com menos espaço para trabalhar e um salário inferior, o antigo guarda prisional garante que, mesmo assim, não voltava atrás. "Estava farto de arriscar a minha vida todos os dias".

A sua saída de Rikers ocorreu um mês depois da entrada de Renato Seabra, a 13 de abril, naquele complexo de 1,6 quilómetros quadrados, onde o jovem português, acusado de ter matado Carlos Castro há um ano, a 7 de janeiro, aguarda julgamento.

Ambos circularam no mesmo edifício, o Anna M. Kross Center, o maior dos dez existentes e onde afluem os detidos com perturbações mentais, um terço da população, e os que frequentam programas de substituição com metadona.

Apesar da população prisional de mais de 14 mil indivíduos, David recorda-se de ouvir falar de um português que se destacava pelo seu silêncio. "Parece que era uma espécie de lobo solitário", recorda.

Por fim, uma outra coincidência, infeliz para o jovem de Cantanhede. A chegada a Rikers Island dá-se num dos momentos mais violentos na história da cadeia nova-iorquina.

A fugir dos gangues

Em Rikers Island a violência aumentou no último ano e sobreviver tornou-se um desafio ainda maior. Há cerca de um mês, a poucas horas de ir a tribunal depor contra membros de um gangue rival, James Gaines descontraía no átrio do centro Anna M. Kross. A cadeia nova-iorquina é conhecida como a 'Casa da Dor' e, em segundos, o jovem americano iria perceber porquê.

Sentado num banco vermelho de madeira, de frente para uma cópia de um quadro de Salvador Dalí cujo original, doado pelo pintor, foi roubado em 2003, ignorava a aproximação de seis indivíduos. Um deles estava armado com uma chave de fendas afiada, que usou para lhe rasgar o rosto. Gaines precisou de dúzias de pontos e até hoje, apesar de já ter recebido alta da enfermaria, ainda não pôs os pés em tribunal. Ficou o aviso.

Duas semanas antes, um guarda prisional fora agredido, o 85º desde janeiro. "2011 tem sido um ano brutal em Rikers Island", lê-se num comunicado do Correction Officers Benevolent Association (COBA), o sindicato dos guardas prisionais de Nova Iorque.

Há funcionários mordidos, esmurrados e até corridos à vassourada, como se pode ver em algumas gravações do sistema interno de vigilância.

O ex-recluso Alcides Polanco conta que sobreviveu a um desses ataques, depois de ter recusado cooperar com um gangue. Um mês depois de ter sido agredido, em outubro de 2008, o seu amigo Christopher Robinson morreu às mãos do mesmo grupo.

O COBA explica que o aumento da violência relaciona-se com a sobrelotação do estabelecimento e com a falta de meios para isolar os membros mais perigosos. "Há cerca de 1000 indivíduos violentos que deviam estar em segregação punitiva (solitária). Em vez disso andam cá fora a espalhar o caos", lê-se no comunicado do COBA.

Visita da mãe no Natal

O processo do jovem modelo de Cantanhede arrasta-se há um ano (ver caixa abaixo) e, segundo o advogado de defesa, David Touger, é provável que só chegue a julgamento em março. Sobre o dia a dia do seu cliente, o causídico explica que "não é altura para falar".

O voto de silêncio é uma recomendação cumprida à risca por todos, não só por Renato mas também por amigos e familiares. A mãe, Odília Pereirinha, que se mudou para a cidade de Newark, em New Jersey, onde tem o apoio dos amigos Dulce Vieira e João Vidal, nunca atendeu o telemóvel para falar com o Expresso.

Os contactos telefónicos feitos para Portugal tiveram o mesmo resultado. O cunhado e a irmã, José e Joana Malta, ainda pensaram no assunto, mas acabaram por declinar. O pai, Joaquim Seabra, enfermeiro em Vila Real de Santo António, disse: "Não falo porque tenho medo de magoar muita gente, inclusivamente pessoas de quem gosto, como o Renato. Posso dizer-lhe que estou a juntar dinheiro para, quando começar o julgamento, ir até Nova Iorque dar um abraço ao Renatinho".

Nos EUA, o silêncio de Odília foi também forçado por outro motivo. "Ela não sabia uma palavra de inglês. Telefonava-me aflita a pedir traduções, como por exemplo como é que se dizia obrigado ou porta esquerda", recorda uma nova amiga da mãe de Renato Seabra, residente nos EUA, e que há cerca de dois meses coorganizou um jantar para recolha de fundos. "Sabíamos que se aproximava o pagamento de uma tranche ao advogado. Não sei quanto ele custa, mas tenho a certeza que não é barato. O jantar serviu para ajudá-la a fazer face a essa despesa".

Esta amiga descreve que com a passagem do tempo a mãe de Renato aprendeu a desenvencilhar-se e hoje lida melhor com as viagens até Rikers Island. Uma das últimas foi na véspera de Natal, onde mais uma vez foi apoiar o filho. "Ela é o seu pilar", afirma.

"Muitas vezes a Odília fica aqui comigo em Nova Iorque. É uma mulher corajosa, com uma força interior que emana da sua educação, saúde e religião. Está a fazer o que qualquer mãe faria, ou seja, a proteger a sua cria. Quer provar ao mundo que o Renato é boa gente".

Entretanto, uma semana passada sobre a conversa com o Expresso o advogado David Touger revelou ao "Diário de Notícias" que Renato Seabra "já tem uma atividade" na prisão de Rikers Island. E, ainda segundo a edição de dia 6 de Janeiro do mesmo jornal, de acordo com o melhor amigo do modelo, Diogo Silva, o "trabalho é desenvolvido na ala psiquiátrica onde está detido e tem-no 'ajudado a passar os dias' e indicia 'de alguma forma, o bom comportamento'".

Independentemente do que a Justiça decidir, a vida de Renato Seabra mudou para sempre. Rikers Island é a primeira etapa, uma experiência que Alcides Polanco espera nunca mais repetir. "Ainda hoje as pessoas no meu bairro olham para mim com preconceito, pois sabem que estive na cadeia", diz o jovem de 20 anos. "Apetece-me partir-lhes a cara, mas rapidamente lembro-me de Rikers. O medo de voltar para lá obriga-me a ignorar. Rikers não é a 'Casa da Dor', é o inferno!"

Julgamento talvez em março

A 7 de janeiro de 2011, Renato Seabra e Carlos Castro envolveram-se numa discussão que terminou com a morte do cronista social.

Até ao golpe fatal - um monitor arremessado à cabeça -, o agressor terá torturado a vítima durante uma hora, castrando-a com um saca-rolhas. Seabra confessou estes e outros detalhes durante um interrogatório conduzido por três agentes da polícia de Nova Iorque, um dia depois da tragédia. Durante as várias sessões de pré-julgamento, o advogado de defesa, David Touger, começou por pedir a anulação da confissão, o que foi recusado. Depois exigiu que a procuradora Maxime Rosenthal fornecesse mais dados sobre a investigação policial, incluindo as análises de ADN (parte continua por entregar).

Touger já concluiu os exames psiquiátricos a Renato Seabra, com os quais tentará provar a insanidade do ex-modelo na altura do crime, procurando assim uma atenuação da pena, que, neste caso de homicídio simples, oscila entre os 25 anos e a prisão perpétua. Em resposta, a acusação também ordenou exames psiquiátricos a Renato Seabra, submetendo-o a três consultas. A próxima audiência realiza-se na próxima sexta-feira, mas dela não surgirá qualquer data para o início do julgamento, que talvez possa começar em março, vaticinou Touger à saída da última sessão, a 2 de dezembro.

http://aeiou.expresso.pt/o-inferno-de-renato-seabra=f698300

No comments: