Eunice Muñoz: 'Dei a minha vida ao meu país'
Estreou em Oeiras e seguiu até Madrid. Agora, O Cerco a Leninegrado está em cena no teatro São Luiz, em Lisboa, até dia 19. A peça assinala os 70 anos de carreira de Eunice Muñoz.
Em Janeiro estreou-se nos palcos espanhóis, com a peça O Cerco a Leninegrado, depois de 70 anos de carreira. Como correu?
Muito bem! Tinha legendas em espanhol, mas havia muitos portugueses. Fomos acarinhados, não houve noite em que não nos viessem cumprimentar. Apareceu até uma colega espanhola, que já tinha feito o meu papel, e o José Mourinho! Fiquei muito contente, admiro-o profundamente. Disse-me que há um ano e meio que não saía de casa à noite e saiu só para ir ver a peça. Ele e a mulher já tinham estado na Miss Daisy, em Setúbal.
Mas a ida a Madrid é mais especial porque tem a ver com o seu passado familiar?
Pois é. O meu pai e o meu avô eram espanhóis, de Madrid. Gosto muito da língua e da sua maneira de ser e olhar para as coisas. Seria bom que nós, portugueses, tivéssemos um bocadinho deles, como o orgulho e amor que têm ao seu país. Já estive na Índia, em Macau e no Uruguai. Mas não tenho uma grande atracção pelas lonjuras. Quando estou fora gosto, mas nunca me apetece ficar. Fico com saudades de Portugal, dos meus amigos e da família.
Esta era a peça que queria fazer no ano em que celebra os 70 anos de carreira?
Esta peça aconteceu. Há muito tempo que o encenador, o Celso [Cleto], me tinha feito este convite, portanto sabia que, quando acabasse o Comboio da Madrugada, ia começar os ensaios desta peça. Na altura nem me lembrei que eram os 70 anos.
Relação muito próxima?
Sim, sou amiga dele há anos. E um dos sucessos da minha vida foi a Miss Daisy, dirigida por ele, um espectáculo que correu muito bem, com uma tournée longa. Ele é das poucas pessoas que arrisca fazer uma tournée hoje em dia. É tão difícil. Os atrasos nos pagamentos são enormes.
E as perspectivas são que piore.
Sim. Nem podemos estar a pensar muito nisso, senão ficamos fechados em casa. Temos que lutar, o que fazemos temos de fazer o melhor possível. Para os mais jovens as coisas estão muito difíceis, em alguns casos dramáticas.
Prefere esse discurso mais optimista do que o outro de que a cultura em Portugal vai acabar?
Ai, sim! Não se chega a nada a dizer que a cultura vai acabar. E acho isso um exagero. Temos é de andar para a frente. Não é inconsciência da minha parte: também tenho filhos e problemas na família ao nível do emprego. Mas não resulta enterrarmos a cabeça na areia e ficarmos a chorar.
O que conta esta peça?
A história tem a ver com o teatro e as nossas lutas. São duas mulheres que estão num teatro em risco de demolição. Estão ali há mais de 20 anos, a Maria José [Pascoal] é uma actriz, eu sou a mulher do director da companhia. A luta delas é conservar o teatro.
Esta peça foi filmada para ser emitida na RTP, recuperando uma tradição antiga.
Seria tão bom que a RTP recuperasse essa tradição! Na minha geração há a maior saudade desses tempos do teatro na televisão.
O teatro continua a ser a casa onde se sente melhor?
É uma coisa que me é tão familiar… Não me sinto mal na televisão, mas é outra coisa o calor do público no teatro, o sentir se está agradado, se está atento…
Disse que nem se apercebeu que os seus 70 anos de carreira se cumpririam este ano…
Pois não, não pensava nisso. Não gosto de estar enredada nas coisas que dizem sobre mim. Há anos que luto contra essas coisas todas lindas que dizem de mim.
Por que se sente tão pouco confortável com os elogios?
Não está na minha natureza. É complicado porque, por outro lado, até podem pensar que isto é pose. Mas eu é que sei o que sinto.
Então como sentiu a Condecoração atribuída pelo Presidente da República?
Gostei muito. Foi a segunda condecoração dele em pouco tempo, a primeira foi no 10 de Junho. Senti-me honrada. Tudo isso me toca, mas toca-me sempre com olhos abertos. Já dei muito ao meu país, dei-lhe a minha vida.
E o país retribuiu?
Sim… Mas por outro lado sucederam coisas surpreendentes como quando eu, o Ruy de Carvalho, a Fernanda Borsatti e o Jacinto Ramos, que já partiu, fomos mandados embora do Dona Maria, depois de lá ter estado mais de 23 anos.
Foi o seu momento mais triste?
Foi. Houve muito pouco respeito por nós. Isso não esqueço.
Numa entrevista disse que continuará inquieta até Deus a levar. Não pensa em parar?
Ainda não. Mas já são 83 anos, qualquer dia terei de parar, quando deixar de funcionar e tiver dificuldades físicas. Trato-me o melhor possível porque gostaria de fazer mais, mas chegarei até onde puder chegar. Por enquanto tenho vontade de continuar e tenho projectos: voltarei ao Dona Maria com o Comboio da Madrugada (de 10 de Maio a meados de Junho), está pensado fazer com o Filipe La Féria As Árvores Morrem de Pé e no Verão começo mais uma novela na TVI.
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