Todos os dias, em milhares de restaurantes por todo o país, toneladas de alimentos em perfeito estado iam parar ao lixo. Até que surgiu a pergunta: tem mesmo que ser assim? A ASAE esclareceu que não, que as regras existentes permitem a doação da comida que sobra. Tudo começou há três anos, com o Zero Desperdício e a Refood. Hoje, o movimento não pára de crescer, em número de núcleos, voluntários e beneficiários. Mas a ambição é ainda muito maior.
Muitas pessoas têm uma ideia do voluntariado que é idealizada. Voluntariado é trabalhoQuem aderiu com entusiasmo e logo desde o início ao desafio de Hunter foi Marco Pereira, do restaurante Laurentina — O Rei do Bacalhau: “O Hunter andava aí pelo bairro na bicicleta, falava, falava, na altura o projecto era só uma ideia, com um óptimo nome”. Mas para o Laurentina fazia todo o sentido. “O meu pai [António Monteiro, o fundador do restaurante, recentemente falecido] era muito católico, e quando ia à missa costumava dizer às pessoas que lá estavam a pedir para no final da noite aparecerem no restaurante. Elas vinham a partir das onze horas, e nós dávamos-lhes as sobras. No fundo era um Refood, mas mais pequenino.”
Mesmo assim não se evita totalmente o desperdício. O que é doado não são restos, são sobras que nunca chegam a ser servidas. Ao fundo da cozinha vão chegando os pratos que trazem, esses sim, os restos que os clientes não comeram e que vão para o caixote do lixo. “Está a ver aquele balde de lixo para onde estão a deitar o que vem nos pratos? Leva 50 litros e é despejado duas vezes por dia, o que significa que, apesar de tudo, deitamos o equivalente a 100 quilos para o lixo diariamente.” Não é possível reduzir um pouco as doses? “Já tentámos, mas num restaurante de cozinha tradicional portuguesa como é o nosso é muito difícil.”
E a segurança alimentar, no meio de tudo isto? Para falarmos das regras que enquadram a doação de alimentos temos que falar de outra iniciativa que, não trabalhando no terreno da mesma forma que a Refood, ajudou a criar as condições para que tudo isto possa acontecer, estabelecendo parcerias entre as empresas doadoras e as instituições de solidariedade que recolhem os alimentos. Trata-se da Dariacordar, criada em Janeiro de 2011, e do movimento Zero Desperdício, lançado em Abril de 2012. Aliás, tudo começou por aqui, por António Costa Pereira, comandante da TAP, e a sua petição contra o desperdício alimentar.
Lisboa tem 10 mil restaurantes. Neste momento cobrimos à volta de 500. "É um trabalho enorme”, diz Hunter. “Queremos cobrir toda a cidade"
E acreditam que essa consciencialização deve começar pelas crianças e jovens. Por isso, criaram um pacote para as escolas e estabeleceram um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa — um projecto (que envolve também a agência de publicidade J.W. Thompson, a Fundação Gulbenkian e a Fundação EDP) que irá arrancar já em Janeiro.
A primeira iniciativa, revela à Revista 2 a vereadora Graça Fonseca, será a apresentação de uma colecção de quatro livros sobre alimentação e sustentabilidade, destinados ao ensino básico. Foram convidados quatro escritores e quatro ilustradores: “A Rita encolheu, e agora?”, com texto de Marta Hugon e ilustrações de António Jorge Gonçalves; “A vida difícil de uma manteigueira”, de Isabel Zambujal e Rodrigo Sousa; “Confusão no corredor dos enlatados”, de José Luís Peixoto e Catarina Bakker; e “O tio desafio”, com texto de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães, e ilustrações de Carla Nazareth.
“Se começarmos a trabalhar com os públicos mais jovens conseguiremos chegar aos adultos”, diz Graça Fonseca. “A ideia é que sejam livros com temas que as crianças possam trabalhar na escola, e que as levem a perceber, por exemplo, o que significa a nível de desperdício de recursos do planeta de cada vez que não comem a salada.”
Mas o projecto da Câmara, sempre em parceria com as mesmas entidades, é mais ambicioso. “O nosso objectivo é recuperar as cozinhas e as cantinas para que cada vez mais escolas possam confeccionar as refeições no local”, afirma a vereadora. No âmbito do Programa Escola Nova foram já instaladas 12 novas cozinhas, o que faz com que actualmente em Lisboa existam 52 escolas com confecção local e 41 com refeições em catering. Mas em breve será dado um novo passo.
1.500.000 refeições já foram recuperadas pelo Movimento Zero Desperdício em sete concelhos do país, ajudando 7300 pessoas
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