"Filha Rebelde": vítimas da PIDE arroladas como testemunhas de defesa dos arguidos
por Agência Lusa, Publicado em 01 de Junho de 2011
Com histórias de vida ou opções políticas diferentes todos têm um denominador comum: de forma direta ou indireta todos foram vítimas da PIDE/DGS, daí que estejam arrolados como testemunhas de defesa dos arguidos do caso "Filha Rebelde".
Uns sofreram as torturas impostas pela polícia política do Estado Novo, outros, sobretudo os escritores e os encenadores, mesmo que não tenham estado presos viram a liberdade criativa cerceada ou censurada.
Frederico Delgado Rosa, investigador neto do general Humberto Delgado, o realizador de cinema José Fonseca e Costa e o histórico resistente antifascista Edmundo Pedro contam-se entre as testemunhas de defesa de Carlos Fragateiro, José Manuel Castanheira e Margarida Fonseca Santos, que voltam hoje ao Tribunal Criminal de Lisboa onde respondem por alegada "difamação e ofensa à memória" do último diretor da PIDE, Silva Pais.
Hoje devem ser ouvidos apenas José Manuel Castanheira, Margarida Fonseca Santos e uma testemunha arrolada pela acusação, disse à Lusa o advogado de Carlos Fragateiro e Margarida Fonseca Santos, Lucas Serra.
O encenador João Lourenço, o presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), José Jorge Letria, o escritor António Torrado e o dramaturgo e ensaísta Luiz Francisco Rebello (que já dirigiu a SPA) e que em 1971 presidiu ao Teatro S. Luiz demitindo-se um ano depois por discordar das ingerências da Comissão de Censura são outras das testemunhas de defesa dos arguidos, embora o tribunal ainda não tenha marcado data para os ouvir.
No banco dos réus estão os dois ex-diretores do Teatro Nacional D. Maria II, Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira, e Margarida Fonseca Santos, autora da adaptação teatral de "A Filha Rebelde" -- baseada no livro dos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz -, levada à cena em 2007, encenada pela espanhola Helena Pimenta.
Curioso neste processo é o facto de os autores da obra estarem arrolados tanto pela defesa como pela acusação, prevendo-se que Valdemar Cruz deponha, em princípio em videoconferência, no dia 07, o mesmo dia em que deverá ser ouvida Berta Silva Pais Ribeiro, sobrinha de Silva Pais, que devido a um acidente de viação faltou à audiência de sexta-feira e cuja audição está dependente da recuperação, acrescentou á Lusa Lucas Serra.
Retratar a "riqueza da personalidade" de Annie Silva Pais, contando a história da filha do último diretor da PIDE desde o casamento com um diplomata suíço com quem foi viver para Cuba onde se apaixonou pelo início da revolução que depôs o presidente Fulgêncio Batista (1959) ou o "coup-de-foudre" que teve por Che Guevara levando-a a abandonar um casamento de conveniência foram os objetivos da peça, segundo o testemunho dos arguidos nas anteriores audiências.
Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira têm mesmo argumentado que a figura de Silva Pais era apenas usada como contextualização dado que o que pretendiam era mostrar como duas personalidades tão diferentes como Annie e Silva Pais conseguia manter intacta a relação pai-filha.
"Uma aberração de julgamento 37 anos depois do 25 de abril de 1974" e "não saber distinguir a realidade de uma peça de teatro, que mesmo baseada em factos reais é sempre uma ficção", foram também motivos invocados pelos arguidos.
Estes não deixam, porém, de classificar o julgamento como um "ato de censura" acrescentando que pode "abrir um precedente grave", como disseram à Lusa no final das audiências.
Tal como não entendem que a opinião pública não se mobilize nem acompanhe este processo. Opinião partilhada pelo general Garcia dos Santos, que depois de assistir à audiência de sexta-feira, disse estar indignado pela falta de interesse público sobre este julgamento que "dá a sensação de que estamos a andar para trás".
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