Annie Silva Pais
Sobrinhos de diretor da PIDE sentam gente do teatro no banco dos réus
“Uma aberração”, “um ato de censura” e “a sensação de que estamos a andar para trás” são expressões usadas durante o julgamento a propósito de uma peça de teatro em que é retratada a figura de Silva Pais, último director da PIDE, a polícia do fascismo que foi um dos pilares da política de repressão durante os anos do Estado Novo.
Os arguidos, que hoje voltam a tribunal, falam de “aberração de julgamento 37 anos após o 25 de Abril de 1974”. Em 2007 o Teatro Nacional D. Maria II levava à cena “A Filha Rebelde”, encenação de Helena Pimenta de uma adaptação do livro de José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz sobre a vida de Annie Silva Pais, filha de Silva Pais, chefe da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).
A caracterização de Silva Pais não foi do agrado de dois sobrinhos do último chefe da polícia política, que morreu logo no início de 1981. Carlos Alberto Mano Silva Pais e Berta Maria Mano da Silva Pais Ribeiro acusam Margarida Fonseca Santos, autora da adaptação da obra, e Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira, ex-directores do D. Maria II, de difamação e exigem uma indemnização de 30 mil euros. Os acusados lamentam que três décadas e meia depois de o 25 de Abril ter libertado o país do regime ditatorial seja possível viabilizar em tribunal um tal processo. Por um lado, argumentam com o facto de se tratar de uma peça de ficção, o que sugere desde logo um ato de censura à criação. Por outro, referem que a figura de Silva Pais é secundária e apenas serve para a contextualização da sua filha. Em sessões anteriores do julgamento, os arguidos explicaram que perante o objectivo de mostrar a "riqueza da personalidade" de Annie Silva Pais - contando a sua história desde o matrimónio com um diplomata suíço, com quem viveu em Cuba e onde se apaixonou pelo início da revolução (1959) que decapitou Fulgêncio Batista, a paixão por Che Guevara que a leva a abandonar o casamento de conveniência –, a figura de Silva Pais, seu pai e último director da PIDE, surge como contextualização: a ideia era mostrar como, com personalidades tão diferentes, conseguiam manter intacta a relação pai-filha.
É nesta linha de defesa que Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira falam de “uma aberração de julgamento 37 anos depois do 25 de Abril de 1974", um "ato de censura" que pode "abrir um precedente grave".
Nem a encenadora, Helena Pimenta, nem os autores do livro, José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, estão acusados pelos sobrinhos de Silva Pais.
“Estamos a andar para trás”
Após a audição de sexta-feira no Parque das Nações, o general Garcia dos Santos, um dos cérebros da revolução de 1974, lamentou que este caso esteja a ser desvalorizado e não tenha suscitado o envolvimento dos portugueses, o que o leva a considerar que Portugal lhe dá a “sensação de que estamos a andar para trás”.
"Muitas coisas que estão a vir a público nos últimos tempos dão a sensação de que estamos a andar para trás”, apontou o militar no final da sessão, para acrescentar: ”Lamento-o e tenho esperança de que o país não vá mesmo para trás".
Vítimas de Silva Pais arroladas pela defesa
No rol das testemunhas da defesa estão entre outros Frederico Delgado Rosa, investigador neto do general Humberto Delgado, assassinado pela PIDE em 1965 (era diretor Silva Pais), o realizador de cinema José Fonseca e Costa, o histórico resistente antifascista Edmundo Pedro, João Lourenço, o presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), José Jorge Letria, o escritor António Torrado e o dramaturgo e ensaísta Luiz Francisco Rebello. Todos estes nomes têm um ponto para o qual a sua vida convergiu num dado momento: de tortura ou de censura, foram vítimas da PIDE. Por isso testemunham agora neste processo.
Já os autores do livro que dá origem à peça, José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, foram arrolados tanto pela defesa como pela acusação.
02 Jun 2011
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