As camélias são tão complexas quanto as suas formas, os nomes ou as cores, que vão do branco puro ao encarnado escuro. Algumas são púrpuras – as mais raras, como a herzília, uma variedade portuguesa. Outras têm manchas, riscas ou pintas. As pétalas, que podem ser mais de cem, são mais carnudas do que as de uma rosa e iguais em beleza. Só perdem no campeonato do perfume, porque as camélias, no geral, não têm cheiro. Apenas algumas da variedade sasanqua.
Em Sintra, a sua introdução e o gosto pelo seu cultivo, no século XIX, deve-se a D. Maria II e a D. Fernando II. Muitas das variedades, nascidas na época, foram baptizadas com nomes de membros da Família Real, em homenagem e como forma de divulgação desta flor no país.
Assim, existem as dedicadas a rainhas como D. Maria Pia – branca com riscas de carmesim – e outras a reis e imperadores. D. Pedro V foi homenageado com uma branca com marcas e riscas cor-de-rosa e D. Pedro, imperador do Brasil, com uma branca com riscas carmesim. A condessa d’Edla também teve direito à sua flor, o que nos leva à camélia enquanto símbolo de uma história de amor num dos cenários mais românticos de Portugal – Sintra.
O casamento de D. Fernando II (viúvo de Dona Maria II) com Elise Hensler, uma cantora de ópera sem pinga de sangue azul, era mal visto pela sociedade e pela imprensa portuguesa. Para escapar aos olhares de esguelha e às línguas afiadas da elite de Lisboa, os dois refugiavam-se em Sintra, onde D. Fernando tinha comprado o abandonado mosteiro da Nossa Senhora da Pena.
Eterno apaixonado pela arte e botânica, é a ele e à mulher, feita condessa d’Edla, que se deve o património florestal, camélias incluídas, da Pena. No meio do parque, a condessa iniciou a construção de um edifício, quase tão inédito como o seu casamento. O chalet tem fachadas que imitam madeira e varandins feitos com cortiça. Deixado ao abandono, ardeu em 1999, mas foi recuperado e aberto ao público. E é lá que começa a visita guiada ao mundo das camélias em Sintra, na companhia do arquitecto paisagista inglês Gerald Luckhurst e do engenheiro florestal Nuno Oliveira, dos Parques de Sintra – Monte da Lua.
A passos largos, que o parque é grande, dirigimo-nos a uma árvore grande, repleta de pontos de tons carmim. A imagem é digna de fotografia e de conversa. «São camélias reticulatas», diz Nuno Oliveira. «Não é habitual vê-las noutros jardins, devido à sua dimensão», acrescenta o arquitecto paisagista a viver há 25 anos em Portugal. E conta que este tipo de reticulatas foi trazido pelo capitão inglês Rawes, no século XIX.
«Mais antigas só no Porto», refere. «São flores que precisam de grande humidade no solo, o que acontece quando há granito ou basalto», o que explica que não haja muitas camélias no Sul, «apenas em Sintra e em Monchique».
Continuamos caminho e, pelo chão, encontram-se verdadeiros tapetes de pétalas. Apesar de resistente, «a camélia é muito sensível e depois de aberta poderá durar dois a três dias antes de cair», sublinha Joana Guedes, presidente da Associação Portuguesa de Camélias.
Para Nuno Oliveira e Gerald Luckhurst, caminhar sobre elas é uma das atracções da Pena nesta época do ano – começam a florescer em Novembro e continuam até Abril. Mas o seu momento alto é agora.
Engenheiro e arquitecto vão apontando, ora para as brancas, ora para as cor-de-rosa, sem esquecer as vermelhas. Nuno Oliveira demora-se em algumas, admirando-lhes as pétalas. Umas são arredondadas, outras em forma de seta.
«As flores das camélias são muitíssimo variadas, desde a singela, com apenas cinco pétalas à dobrada formal ou àquelas que têm uma enorme profusão de pétalas», explica ao SOL Joana Guedes. Há ainda as amarelas, originárias do Vietname, mas também «há entusiastas que tentam obter camélias azuis».
A diversidade destas flores é de tal modo «incrível» que Gerald Luckhurst, responsável por vários projectos de recuperação de jardins nos parques de Sintra, conta que «todos os anos são registadas novas flores».
Oriundas do Japão e da China, são plantas arbustivas não muito grandes, mas «com o passar dos anos as mais antigas transformam-se em árvores, com copas até 15 metros de diâmetro e altura de sete a oito metros», diz Joana Guedes.
A sua beleza era tão apreciada que não passou muito até que as cortes europeias tivessem jardins de camélias. Sendo de fácil mutação, rapidamente começaram a surgir híbridos – flores nascidas de mais do que uma variedade.
Além de ornamentais, as camélias têm outras utilizações; «o óleo dos frutos é muito usado no oriente para iluminação, lubrificação e ainda como ingrediente essencial de produtos de beleza».
No entanto, a utilização mais apreciada é enquanto flor do chá. Segundo a lenda, o imperador chinês Shen Nung, que terá reinado entre 1737 e 1705 a.C., estava sentado debaixo de uma cameleira e preparava-se para beber água, quando lhe caiu uma folha na taça, gostou tanto que a infusão dessa folha passou a ser a bebida oficial da sua corte.
A corte portuguesa do séc. XIX teria ficado contente por assistir à divulgação da flor que se faz pela segunda vez em Sintra. Em especial, D. Fernando. «Este ano, a Pena tem muitas flores para levar a concurso», diz Nuno Oliveira. Mas não é uma camélia qualquer que vence o concurso da melhor camélia, que acontece este sábado no jardins do Palácio de Sintra. Os produtores podem ter cameleiras perfeitas, mas é preciso escolher a mais perfeita camélia da mais perfeita cameleira. Todas as flores concorrentes estão em exposição até domingo, num passeio sobre pétalas que vale a pena. Se viver mais a Norte, a Oficina da Natureza organiza passeios a Guimarães, onde podem ver-se das mais bonitas e antigas cameleiras de Portugal. O próximo é a 24 e 25 de Março ( www.oficinadanatureza.pt ).
Se tiver ficado com vontade de as plantar, saiba que ainda o pode fazer este mês. Joana Guedes deixa as recomendações principais: deve escolher-se um local com luz moderada, protegido do vento frio, o solo deve ser ácido, podendo usar-se uma mistura especial para camélias e não se deve usar adubo em demasia. Por último, devem ser regadas no Verão e também durante a floração no Inverno, sobretudo as plantas jovens ou recentemente plantadas.
http://sol.sapo.pt/inicio/Vida/Interior.aspx?content_id=44269
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